Viração
CONTATO PIANOLA
EDITORES
Caros Editores,
Embora
não me conheçam, não posso mentir. Sou um escritor obscuro,
nascido em um país de Terceiro Mundo em que as relações pouco se
baseiam em méritos. E se os tivesse, talvez fossem preteridos por
outrem, ordenando a realidade melhor do que ela está, dando-me o
lugar de honra, isto é, em uma última fila. Lá, sem ser visto,
apesar de reconhecido para estar nesse teatro – pelo menos, me
digo, estou na última fila, em uma cadeira pouco confortável, mas
minha cadeira e só me irão me remover de lá morto -, observo as
intrigas em torno do capital cultural que ainda costuma ser dividido
com os mesmos homens com o qual repartem o econômico. E se permitem
as exceções, porque, sim, elas existem de fato, será para tornar
mais divertida a fruição do espetáculo que proporcionam a si,
eles, os tais detentores de tudo em meu país. Promovem aqueles de
quem mais se pode rir -, como os reis que tinham em sua corte seus
bufões. Estes, algumas vezes, lhe atiravam na cara a verdade sobre
seu despotismo, nunca tão intensamente quanto desejavam porque lhes
faltavam forças ou se lhes sobravam, a força se dobrava a
prudência. Afinal, não se pode ir contra o rei, não é? Eu, na
obscuridade de última fila, resolvi resmungar alto, fazer ruídos
incômodos, ser deseducado. Preferi não gozar mais da presença de
meus vizinhos, que mal me notavam. E o desconforto tornou-se tão
grande que, com a desculpa de ir ao banheiro – era um lugar mais
limpo do que a assistência -, deixei a cadeira vazia a me esperar. À
saída, fui advertido pelo segurança de que se saísse não poderia
mais voltar à palestra. Dei uma ou outra desculpa, falei de uma
falta de ar – puro -, evoquei minha idade e saí. A rua me pareceu
atraente, talvez mais do que supunha; as pessoas que ali transitavam
mais verdadeiras – a minha impressão poderia estar comprometida
pelo tempo passado dentro do teatro -, tudo poderia não passar de
entusiasmo passageiro, terminar no instante seguinte com a saudade de
minha cadeira cativa na última fila, na semiobscuridade do teatro
onde não era notado. Lembrei-me de que minha cadeira era
desconfortável. E meus vizinhos, piores do que a cadeira. Ali, na
rua, poderia esticar as canelas, tomar qualquer caminho e se alguém
me incomodasse poderia mandá-lo às favas. O teatro deu-me algumas
coisas, sim, sem dúvida. Se não mo desse não o teria abandonado a
mais tempo? Talvez. No entanto, aquela vida artificial, no início,
tinha brilho. E vez por outra, mesmo na última fila, na cadeira
desconfortável, era chamado à frente, recebia os cumprimentos dos
outros, era fotografado e tinha resenhas nos jornais. Voltava sempre
à última fila, à cadeira e ao desconforto. Às resenhas, chamavam
reconhecimento crítico – que não me rendia fama ou convites para
programas de auditório ou de confinamento -, um capital importante
para conversas, influindo pouco ou nada para as vendas, ralas –
entretanto, contínuas. Uma ou outra entrevista para ser entrevisto
ou visto de viés ou soslaio. Nunca o convite para uma tal ilha de
famosos ou para uma capa de revista. Decerto, o vocábulo obscuro não
contaria com distinção alguma, não é verdade? Obscuro seria
desconhecido, ignorado e que tais, não é mesmo? Em nossos tempos
modernos, é preciso resinificar a palavra “obscuro”, porque não
o é o que antes era, porque, hoje, é difícil o anonimato em um
tempo de milhares de espiões civis. Eu tenho um livro, intitulado
BOA NOITE, BURROUGHS, com contos e novelas humoradas –
nigerrimamente. É uma pequena obra-prima de escândalo, ignorada
porque constitui crítica ao sistema literário – do qual faço
parte – e aos escritores. Ninguém esquivou-se de elogiá-la,
quanto a publicá-la...Descobri a Pianola Editores em uma pesquisa
sobre o livro Carta a D. . Tenho um nome: Mariel Reis. Detenho-me no
Brasil a ser editor de uma revista de narrativas curtas – FLAUBERT,
para defender um dinheirinho sou parecerista de algumas editoras,
além de atuar em renomado colégio federal daqui. Posso dar com só
burros n'água com minha cartinha, após provocar risinhos de mofa ou
de desprezo ou qualquer outra reação durante a leitura de minha
missiva, mas se a Pianola topasse enfrentar o desafio de editá-lo –
ao livro – iria a Portugal lançá-lo. Por aí tenho alguns
amigos, creio, bem relacionados que poderiam me dar uma ajudinha. O
melhor a todos,
Mariel
Reis
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