Desagravo

A morte de Robin Williams, prematura, devido aos problemas com álcool e cocaína, além da descoberta de uma doença degenerativa progressiva (Mal de Parkinson) chocou ao público, aos familiares e ao mundo cinematográfico pela violência com que aconteceu. Aparentemente, Williams parecia um homem sereno, sem grandes perturbações. Entretanto, era um homem angustiado. Encontrado enforcado em um cinto em sua residência não lembrava em nada o ator que pautou sempre pela alegria suas atuações em filmes. A excessiva felicidade de suas personagens parecia uma advertência da qual ninguém se deu conta. Talvez o humor tenha sido antídoto durante um breve período para um rapaz como Robin, oriundo de uma família rica. As atuações em que a alegria transbordante deste ator extravasava para o público , paradoxalmente parecia esvaziá-lo, secar seu reservatório interior. Incomodava vê-lo envolvido a ponto de confundi-lo e aos outros de que um palhaço e não um ator, ali estaria. Ignoramos o aviso de que a alegria do palhaço tem um preço. A sentença, carregada de uma mística popular, com a profundidade fácil das frases feitas, evocada, em uma conversa, para acentuar-lhe a carga dramática, não poderia ser a mais perfeita para traduzi-lo – ao espectador atento, apesar de seduzido pelo doce canastrão, não passaria despercebido a desolação de Robin Williams. O apelo de socorro não foi entendido, tampouco atendido. Quanto maior a alegria, maior a escuridão interior do ator – álcool e cocaína = nitroglicerina. Williams opta por filmes menos felizes – ou ao menos películas com uma felicidade mais difícil, não tão óbvia. O público, idiotizado, imantado pelos papéis que o refletiam viam na manobra uma estratégia de um ator não satisfeito com os rumos da própria carreira. Outro erro. Robin Williams, como todo homem infectado, procurava, aflitivamente, o contraveneno. Não continha mais as expansões do Outro dentro dele. O Outro espalhava-se com raízes cada vez mais profundas. E combatê-lo apenas com a alegria dos clowns parecia pouco. Um Ulisses atraído pelas sereias de si – espatifando contra os rochedos do corpo. E o Outro, tímida, mas seguramente, insinua-se (O Pescador de Ilusões, Morra, Smoochy, Morra, Insônia). Esse Outro assumia o controle dos braços e das pernas do ator. Tanto que seus amigos ao cumprimentá-lo sentiam diferente a pressão do abraço e outro, o aperto de mão. Começou, a única certeza que se possui, em Gênio Indomável. A cronologia pode não estar correta ou de acordo com a filmografia do ator, contudo concordamos – ele & eu – que a possessão completou-se em Retratos de uma obsessão. William, o velho capitão, substituiu-se. Doía menos, sem dúvida. E não é o que importa ver a dor diminuída ? Pareceu ser insuficiente. Em sua última aparição, em uma galeria de arte, está irreconhecível. À noite, pode se supor, sua esposa deve ter se perguntado, dividindo a cama com um estranho, a despeito de gentilezas e palavras afáveis, como não me dei conta antes? E Williams e o Outro na fruição de um jogo – jumanji? - de identidades alternadas. O público assistiu a batalha, travada em campo aberto, filme após filme. E por ser o ator Robin Williams e as circunstâncias inusitadas, julgou que o sangue era catechupe e os golpes, telequete.  

Comentários

Unknown disse…
Gostaria de saber a opinião do senhor sobre o filme" Patch Adams o Amor é Contagioso". Pois existe uma corrente dizendo se tratar de um filme ruim.
Seu texto trouxe,para mim, uma questão: o descaso com os pacientes portadores de transtornos psiquiátricos. Neste grupo também entram os que foram diagnosticados como depressivos.

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