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Mostrando postagens de 2013
Devolver Embora contrário a idéia de festa, fui ao casamento do meu irmão, receoso de que a suntuosidade representasse uma ofensa às inúmeras mortes em minha família. A morte é melhor quando só. E para compreendê-la, aceitá-la ou ignorá-la – porque apenas se pode ignorá-la refugiando-se no campo das lembranças -, também é preciso estar só. Em uma solidão tão completa em que a consciência possa dialogar profundamente consigo mesma, capaz de alcançar esse outro, que já não existe. Ou se existe, está entrincheirado nas recordações. Quanto maior a recordação, mais vivo ele estará. Circulará por ela através de nosso próprio sangue. Viajará pelos hemisférios de nosso corpo. Talvez a morte, nesse momento, não exista. E ninguém tenha morrido. A realidade insiste em contrário: a casa vazia, as roupas murchas, um jeito que desapareceu e não voltará mais. A recordação, se não for grande, o afeto, se não for verdadeiro, serão engolidos pela enxurrada de sentimentos negativos e a
O Vingador é Lento ‘O olho na busanfa das moreninhas, das loirinhas não é de hoje, nem dos bailes funk. Liga-se diretamente a discussão a questão racial do país, reforçada pelo sociólogo Gilberto Freire no epíteto: “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar”. Os gringos logo descobriram o tal negócio. Trataram da exportação da mercadoria. Uma mulata em cada lar, era o lema. E viva a mulata, a moreninha e ao Lan - que não tinha entrado na história’ Mariel Reis ( marielreis@ig.com.br ) Para José de Alencar os índios descidos dos céus mereciam herdar a terra juntamente com os portugueses. Os negros, conforme suas missivas destinadas ao imperador, precisavam ser civilizados. Um paraíso tropical de Peris, Cecis e Manoéis, eis o que habitava a cabeça do romancista, correndo peladinhos pelas faixas litorâneas, fazendo boas safadezas sob a sombra da vegetação abundante e para não desidratar, depois de tanto esforço, uma água de coco. Ning

Poemas Para Menelau Morto

I O Cão ronda a tua casa, sentinela da noite. É o covil das mil injúrias que ele guarda, A soldadesca de sombras o ampara. Ele vigia: A inconsútil matéria assomada das frestas De tuas células, a tua herança exangue, acre, Maldita, erguida entre assassínios, a desdita Língua com que puniste a índole dos homens, Sem piedade ou clemência, sem distingui-los, É por isto a tua miséria, eis a tua sentinela Como adorno de teu espírito, esta corrente Estás enganado, não é ao Cão que ela prende, Esticada presa ao pescoço da gente. II Tu és um assassino, tem as mãos sujas de sangue, Nada te importaria se retirado, se teus membros Fossem esquartejados ou tua cabeça rolasse cortada Pelo frio aço da guilhotina ou tua língua arrancada. Tu és um forte, embora teu corpo não resista mais Às rajadas de vento e não te importaria em morrer Afogado, queimado, assassinado ou levado pelo ar Feito um pássaro de asas amputadas pelo

Formação

Como me tornei escritor Para Cláudio S. Carvalho De minha turma, eu era o lerdo, o lento, o atrasado, o desinteressado ou o colegial problema. Era assim que os manuais de psicologia me classificavam, reprovando o meu desinteresse e minha apatia pelos conteúdos escolares. Apesar de minhas notas desmentirem os comentários dos professores, durante os conselhos de classe, preferiram a certificação de um analista da área para saber onde diabos minha cabeça andava metida durante as aulas. A minha atitude aérea escandalizava os meus educadores e, ainda mais, os meus resultados. À minha companhia, somava-se, inexplicavelmente, a do cara mais bonito da escola e, portanto, o mais popular. As garotas sentiam-se atraídas por ele e aceitavam minha condição de penduricalho do bonitão a contragosto para ficar na companhia dele. O meu humor começou a aparecer, embora tímido. As garotas não se queixavam mais com tanta freqüência sobre a minha estranheza e convencido pelo bonit

Uma Consulta Especial

  Caro Saulo Gomes,   Prefiro a reflexão de que a inclinação instintiva sobre qualquer assunto. Se este extrapola a minha compreensão, procuro fontes para obter o esclarecimento: sejam livros ou pesquisadores pertinentes as questões em que estou absorvido.   Chamo-me Mariel Reis, escrevo ficção, portanto a inquietação faz parte do meu trabalho, a curiosidade e a invenção. Durante uma pesquisa para a escrita de uma novela sobre o tema do duplo, resolvi propor-me um jogo: tomaria as fotografias de meus pais e tentaria localizá-los em um tempo e espaço diferentes do que habitavam, ou seja, a atualidade. A minha pesquisa, inicialmente, mostrou-se infrutífera. Adiei o projeto da novela. Fui tomado por outras preocupações: financeiras e de saúde. Outras linhas estabeleceram-se em minha vida.     A idéia ficou entre as muitas anotadas em meu caderno para desenvolvimento. Certo dia, recebo uma ligação, do outro lado da linha uma pess
PT e PSDB: lados de uma mesma moeda ‘A população que pouco ou nada entende assiste passiva e os meios de comunicação apóiam a decisão e a própria presidente diz que leiloar não é o mesmo que privatizar. As duas palavras, no dicionário da presidente, não significam vender. É melhor Dilma revelar o autor do compêndio etimológico do qual ela faz uso, porque dessa forma compreenderemos muitas de suas ações políticas’ O PT é um partido apaixonado. Apaixonado pelo PSDB, diria. Tudo que o Partido dos Trabalhadores realizou é, foi ou será uma medida tomada pelo PSDB em algum nível. Alguns analistas políticos afirmavam que Lula queria ser um homem e um político igual a FHC e se esforçaria para atingir seu objetivo. O ex- torneiro mecânico Luis Inácio Lula da Silva, cujo epíteto qualificativo mudou significativamente para ex- presidente Luís Inácio Lula da Silva é tão obstinado que conseguiu alcançar a sua ambição tornar-se uma réplica de seu rival e antecessor
Uma Cidade em Chamas ‘Os homens mascarados, como tantos outros homens, apenas com a máscara do rosto, falam de valores como paz, democracia e liberdade. Escrevem com um alfabeto de fogo, pelas paredes, suas siglas, seus pensamentos e sua breve história’ Mariel Reis ( marielreis@ig.com.br ) Os homens mascarados lançavam-se contra as portas dos estabelecimentos. Vociferavam. Caetano Veloso, em algum lugar de uma cobertura de Ipanema, assiste a tudo pela televisão, certo de que se a prefeitura tivesse sede na Praça Nossa Senhora da Paz, os arruaceiros seriam dispersos ou presos sob a acusação de desordem. A garota de Ipanema não se abalaria em seu footing ou João Gilberto perturbado em sua meditação diante das lutas de UFC. Os homens mascarados, com pedras e paus, como em uma terceira guerra mundial onde a tecnologia, banida da humanidade, estivesse apenas nas mãos de seu opressores – o aparato policial – e a resistência impli
Cerimônias da Destruição ‘ Se, no jogo político, foi abandonada a mudança estrutural – a mais importante – porque implica no fim das sevícias de um capital estrangeiro mais forte do nunca e presente nos governos FHC e Lula; a ambição da representatividade pode ensinar um caminho para a expressão democrática das ambições de um grupo extremista, se ele tiver ambições além da própria baderna ou destruição de bens públicos ou privados. Eu creio que não tenham ambição de natureza política alguma, no que signifique um programa para execução de idéias a nível nacional. E se a destruição de bens privados ou públicos pode representar um ato politizado, resulta ineficaz contra a obscenidade dos lucros dos banqueiros e multinacionais dentro do panorama brasileiro. Não será com meia dúzia de vidraças estilhaçadas ou latas de lixo incendiadas que esses jovens terão o país ou o presidente com que sonham – se incendiários possuem sonhos que não sejam apenas cinzas e fumaça’

Norman Mailer

A fotografia da capa da revista Times não me saía da cabeça. Lá estava ele, vestido com um terno caqui, de gravata colorida, os cabelos desgrenhados pelas mãos dela, enrolada em um roupão de banho amarelo, com a mecha do cabelo loiro cobrindo um dos olhos, a boca insinuando um sussurro e a legenda sugeriria uma intimidade entre os dois. E o fundo branco parecia alçá-los ao céu ou navegavam em uma nuvem ou em um barco no túnel do amor celestial. A legenda arrolava uma relação perigosa entre os dois. E não seria a primeira vez que a garota estaria metida em encrenca. Ela tinha atração por sujeitos assim. A lista de suas principais paixões atestava a sua queda por tipos iguais àquele. Não tinha culpa. Era sempre fisgada pelos mesmos caras. Chamava a isto de atração fatal. Miller, Mailer e Kennedy. Dois escritores e um presidente. Em comum, o fato de serem judeus. Ela não se importava. Devia ser uma coincidência. Uma peça do destino. Os outros dois não me importam - Mille
Envelhecendo com elegância ‘Assis Brasil é o continuador da tradição beckettiana, optando por uma estratégia narrativa similar a obra Companhia do autor irlandês. E ambos, tanto Samuel Beckett quanto Assis Brasil -, não temo colocá-los em uma mesma frase -, discípulos literários de Franz Kafka que vivia, em si mesmo, a própria contradição engendrada pelos autores citados em suas obras’   Mariel Reis ( marielreis@ig.com.br ) Os que bebem como cães , obra do escritor piauiense Assis Brasil , ganhador, à época, do prestigiado prêmio Walmap (1975), é aventado como a alegoria sobre o regime de exceção que se abateu sobre o país durante os governos militares. Uma alegoria sobre a opressão, como muitos costumam classificá-lo; é um modo reducionista de abordá-lo, ainda que não seja inteiramente incorreto. Nesse período, a ficção do país era marcada fortemente por um realismo quase documental expresso em obras que, senão recriavam o romance regionalista, pretendiam e

Escuta, vamos fazer um contrato*...

‘Existem críticos honestos? Sim. Nesse instante abro um suplemento cultural em que um crítico fala mal de um romance. Imediatamente acode-me a pergunta: qual será o preço dessa independência? Mulher, ele deve ter; carro, também; todos os apetrechos tecnológicos, também; uma editora, se for um escritor, também. A minha conclusão é a seguinte: deve ser um homem livre. Revejo a minha conclusão, troco a dúvida pela certeza, é de fato um homem livre. O que é um homem livre nesse meio?’ Mariel Reis ( marielreis@ig.com.br ) Os maiores narradores brasileiros escolhidos garantem-me conforto. Porque o meu lugar, excluído do hall das excepcionalidades, é junto dos escritores menores da língua (o meu e o da grande maioria dos escritores que também não estão lá) . O que, em mim, se traduz quase que fielmente: a minha estatura não me permite uma afirmação em contrário. Tenho um metro e sessenta. Escapei por pouco de me tornar um anão ou um duende ou um desses seres saídos da ficção

Surrealismo

‘Surrealismo (...) virou grife, franquia, um Mcdonalds do inconsciente, morou?’ Para Anderson Fonseca O buraco é mais embaixo. O sujeito, emputecido, amassa os papéis. Surrealismo de cu é rola. Corolário da conversa. Isso é Darcílio Lima assinado por Dali. É o que é. Não vale tostão. E enxota o vendedor de raridades. Os putos em 1920 inventaram a porra e rende dinheiro até hoje. Não é? Absurdo do mundo é o caralho! Virou grife, franquia, um Mcdonalds do inconsciente, morou? Cheio de fórmulas e o cassete a quatro. Eu não compro. Não vem que não tem. No meu cu é que não botam. Surrealismo. À puta que pariu. Dali acanalhou o inconsciente e o colocou nas gôndolas dos supermercados. Você chega e pede ao açougueiro: me vê aí meio quilo de pá, acém e surrealismo. Reforça o embrulho que é pra viagem. Estado de fantasia supernaturalista, disse um escritor meio viado. Traduz, né? É bonito pra intelectual. E nós? A graça dos franceses, qual era a graça deles? Me deixa lembrar... P

O Meu Best-Seller

    “Os intelectuais não podem ser intransigentes, preservando apenas para si mesmos os espaços de cultura. Precisam democratizá-lo. Como?Me perguntam.   Esquecendo que são latifúndios pertencentes as famílias tradicionais do país” Mariel Reis       Ryoki Inoue* é o meu autor preferido de best-sellers. A condição de escritor de sucesso não o impediu da construção de obras consistentes, embora o tenha prejudicado escrever tanto como escreveu.   O autor de Saga possui mais de mil títulos escritos; o feito lhe rendeu o louvor do livro dos recordes, o Guinness Book. A minha curiosidade sobre o escritor nasceu em 1996, quando Humberto Werneck (autor de Desatinos da Rapaziada ), em reportagem para a revista Playboy, escreveu sobre ele, Inoue.   No instante da reportagem, veiculava-se a presença de um jornalista estrangeiro que vinha conferir a capacidade criadora do autor de Seqüestro Fast-Food, escrito em apenas seis horas ou em quase isto. Num tempo em qu

Por que Pero Vaz de Caminha não tomou cauim?

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Para Anderson Fonseca, o crítico Professoral (O douto ensaísta discorre sobre a historiografia do cauim) Longe de representar a tragédia instalada nas principais reservas indígenas, o consumo de bebidas fermentadas já possuiu outro significado, escapando ao rótulo de problema social , crescente na maioria das tribos em que o alcoolismo e o suicídio fazem parte de uma estatística estarrecedora, fornecendo dados à pesquisa de desagregação de populações nativas. O consumo de bebidas fermentadas, antes de sua perversão através do contato com a população européia, estava integrado ao sistema ritualístico dos índios. A bebida era o cauim. Descrita como uma beberagem densa e clara, extraída da mandioca. Os nativos tinham tanta preferência por sua bebida que o episodio descrito do por Pero Vaz de Caminha em sua Carta não pode ser ignorado: “trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca, não gostaram nada, nem quiseram mais”. As Cauinagens , como eram conhecidas as