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Mostrando postagens de julho, 2015

Uns Pequenos Casos

Causos Colegiais Em meu ginásio, exerci recolhida paixão por uma jovem chamada Viviane. Sempre escrevi cartas de amor excelentes e optei pela estratégia do anonimato para abordá-la, em uma sondagem, para constatar se, com toda minha impopularidade, teria uma chance. Rascunhei a carta duas, três vezes; procurei apresentá-la,com pedido de sigilo, a Marcio Augusto Campos Geoguto , alguem que se arriscava a escrever poemas, e meu amigo desde o ginasial, que aprovou todo o conteúdo, sem ressalvas. O portador que garantiria a chegada da carta, Claudio Carvalho, um galã do porte de Tiago Lacerda, procurou me despreocupar, não haveria extravio de correspondência. A carta selada em envelope, meu mensageiro - que se revelaria um adorável trapalhão - se postou diante da menina, estendeu a carta e sentenciou: - É uma carta anônima que o Mariel pediu para lhe entregar. Quase desisti das cartas e minha timidez atingiu a asfixia. Quase perdi o gosto por cartas. Em minha passagem pelo colé

Conto de Mariel Reis

Matrícula 1. Meu avô, comerciante, com razoável nível de escolaridade, referia-se à escola como um balcão de ensino. Parecia desmerecê-la em seu comentário, o que não era verdade. A seu tempo e lugar geográfico, as escolas públicas eram raras ou mesmo inexistentes. As classes mais abastadas, em geral os negociantes, matriculavam seus filhos em instituições particulares administradas por uma irmandade religiosa ligada à Igreja Católica cujos proventos cobrados pela educação revertiam-se em obras para os mais pobres e à própria igreja. 2. Estávamos os dois, numa madrugada fria, em uma fila interminável para a matrícula estudantil, sentados em cadeiras de praia e conversávamos sobre a necessidade de me desasnar. Levávamos uma garrafa térmica com café, uma lancheira com sanduíches, preparados na véspera e um livro lido por ele em todo lugar cujo assunto não era dividido comigo -, ocupado por revistas em quadrinhos apropriadas à minha idade. Ele me olha comprido e, interrompendo mi

Novas Notas

1. Muitas das vezes transferimos os anseios errados para o nosso trabalho. Em outras, quando não são os anseios, são as carências que assumem o papel principal. Assumimos ideias sem prévia análise de seu efeito; como também comportamentos sem levar em conta o impacto deles em nossa vida profissional. E dependendo dos anseios e das carências, encarnamos, em maior ou menor grau, o papel do herói ou da heroína sem medir consequências. Colocamo-nos em risco. E o risco assumido no trabalho deve ser calculado – senão restará ao sujeito dois caminhos: a promoção ou a rua. 2. Uma outra atitude, derivada do heroísmo, igualmente perigosa, é a messiânica. Os heróis possuem identidades secretas, intercalam entre uma e outra a sua atuação e, se são espertos, agem mais vezes sem uniforme do que com ele, sendo discretos em suas intervenções sem o extravagante de suas fantasias. O messiânico, não. Ele não possui uma identidade secreta, não se importa com sua exposição e nem com consequências. É o

Nota

O único idealismo possível no mundo do trabalho é o da produção. Mesmo nas utopias igualitárias, ele é representado, não com a estigmatização proveniente da Revolução Industrial, descrita por Charles Dickens em seus romances, mas com um objetivo mais próximo do bem-estar e da felicidade do indivíduo. A ideia do trabalho humanizado, seja lá o que isto signifique para os teóricos escapistas. Mesmo em sociedades alternativas, o trabalho não é suprimido. Como já dito, ele é humanizado, isto é, desenvolve-se uma estratégia para fazê-lo parecer melhor ou para minimizar os danos por ele provocados e, principalmente, negar o caráter exploratório estabelecido em suas relações em que os papéis desempenhados pelos indivíduos serão inevitavelmente desiguais. O que é o trabalho humanizado? E como a morte de um empregado de uma fábrica automobilística por um robô está relacionada? 

Toada, de Mariel Reis

Para Aurea Lamento, minha amiga, se não é assim Que o amor a mim se tem ligado, Não sou um metafísico e no espaço Apenas os astros brilham profundamente, Despedindo-se de nosso mundo. Não parecem falar de outro assunto Quando de cá os vejo; tampouco Abrigam os deuses que os  consolam Frios e distantes, mergulhados no vazio. Buscam aqui o próprio sentido e não o encontram. Ao menos, minha amiga, podemos inventá-lo, Não só o sentido como a nós mesmos por vezes Desabitados da esperança de compreendê-lo; O amor não é um mal em si mesmo, E o muito sobre ele falado o tem revelado ainda menos. Lamento, minha amiga, se a minha cantiga frágil Ao atingi-la, provoque a fuga das superstições E ponha em exílio toda herança platonista Ao olhar o céu, nessa noite fria, nada tem discurso A não ser aquele que lhe empresto: O amor não pode estar fora de nós. Pode concebê-lo sem olhos, sem braços Ou sem voz? Já lhe feriu a carne o sonho alguma v

Balança, mas não cai?

A pergunta, a queima roupa, me obrigou a um juízo rápido. Não que me tivesse em conta, sempre, como certos sujeitos que em relação a si mesmos parecem em alta – sem nunca desvalorizar. A minha pretensão, se não beirava ao exagero, para não me tornar ridículo, não me transformava em um monge franciscano. Aquilatei minha participação, com meus quatro livros de contos reescritos e engavetados para nunca mais serem reeditados ou apenas parcialmente, dentro da literatura resumida em dez contos decentes. E dois livros inéditos sobre os quais ainda minha opinião oscilava, mesmo com juízo geral de que são bons. O fato é que a pergunta, longe de me deixar desconfortável, cada vez mais me aproxima de uma constatação: escrevo melhor agora do que antes. O que não é dizer que lá atrás não tivesse realizado coisas que me agradem ou que tenham atingido a crítica – sempre positiva e receptiva com meu trabalho – e aos leitores. Em entrevistas recentes, afirmei que minha ambição, desde o início, era se

Apresentação para André Luiz Pinto da Rocha

Extinção? Não creio... 1. O vaticínio de André Luiz Pinto da Rocha, em Nós, os dinossauros, de que a poesia desaparecerá é contradito. Os dinossauros não tiveram melhor sorte, porque, entre eles, talvez, não existisse um André Luiz Pinto da Rocha para redimi-los da extinção, alçando-os, com os artifícios da linguagem, a um pouco mais do que petróleo, imortalizados em tabuinhas cuja escrita, após centenas de milhares de anos, decifrada talvez se descobrisse um haiku . Os dinossauros, imbuídos, previamente, de uma atmosfera leopardiana, gastariam em melancolia, se soubessem, de antemão, o próprio desaparecimento. A nossa sorte é que enquanto caminhavam para o fim, seguiram, sem outro termo, contentes. E a nós surpreenderam por encetar uma existência que além de angústias pode ter o lirismo de uma lua no lago e dois estegossauros em namoro a contemplá-la. A poesia com André Luiz Pinto da Rocha, embora com sua advertência, não corre o risco do desaparecimento, portanto, nem em cem

Maior Idade Penal: a evidência do fracasso dos programas sociais

1.A redução da maioridade penal, votada ontem, aprovada por maioria, recebe críticas de toda ordem. A manobra de Eduardo Cunha para aprová-la, mostra apenas que o galinheiro está entregue à raposa. E a sociedade civil, ao contrário do que se imagina, mais afeita aos regimes de repressão do que os de liberdade parece apoiar com entusiasmo a punição aos infratores, acompanhando, com alegria, a vitória da lei no Congresso. O risco que a infância e a adolescência sofrem no país sequer são cogitados, menos ainda os crimes dos quais são vítimas, como o trabalho forçado e a servidão sexual. 2.  Entretanto, aprovamos a construção de cadeias contrariando ao lema do governo - o de pátria educadora. E satisfeitos, retrocedemos mais um passo dentro das políticas sociais. O governo assiste a tudo paralisado. A votação - e a manobra para a obtenção do resultado - taxada como golpe - baixo – , não pareceu flertar com a ilegalidade, mas a influência de Eduardo Cunha sobre os deputados discordantes,

Apenas aos bons - e somente a eles

1. Daniel Piza, jornalista, morreu aos 41 anos com um AVC. Sofri um AVC aos 37, não morri, mas fui advertido. A preocupação com a morte sempre ocupou meu espírito, sem obsessão, mas com seriedade. E a retomo, mesmo em meio a grande alegria, como uma pausa obrigatória em uma euforia para me lembrar de que tudo é passageiro, sem que a obrigação em reconhecê-lo estrague um prazer usufruído. Releio Mistérios da Literatura, de Piza, sobre a trajetória afetivo-crítica de suas leituras e me deparo, na primeira narrativa, sobre Poe, com assertivas sobre a morte repletas de crueza como a mostrar o homem lúcido, atento às artimanhas psicológicas que criam saídas para a morte como o salto para uma vida extracorpórea ou uma existência ditosa em uma dimensão menos miserável. Assevera tudo isso enquanto relembra a infância e como lhe caiu nas mãos - aos 14 anos - o autor de Ligéia, pontua, com maturidade, as idiossincrasias classificadas como pueris acerca da morte e a sobrevivência a ela.  2.

Futurologia setorizada

1. A lentidão de diagnóstico, por um especialista, a um doente pode matá-lo. Nesse caso, o especialista é o cronista esportivo e o doente, o futebol brasileiro. A independência crítica, comprometida pela necessidade pecuniária, é retardada ou administrada em doses menores do que a necessária e a discussão, tímida, parece não querer ofender os circunstantes, que a essa altura, trocam olhares suspeitos sobre a natureza do objetivo do crítico, com suposições pouco lisonjeiras acerca de seu temperamento ou sanidade. Matar a galinha de ovos de ouro? Limitar-se apenas a cobertura de campeonatos xinfrins? Reduzir os jogadores a atletas ocasionais? E nossos gramados em várzeas? Isso parece agressivo demais. E os delicados preferem a morte, como apregoava o poeta. Em junho, na Pequena Área, advoguei a saída de cena da Seleção Brasileira, por uma década, da paisagem futebolística mundial, além da criação de outra liga além da CBF, para, nesse tempo, reestruturar internamente nossa mentalidade e