Revolução
Os
mártires de qualquer espécie são sempre uma forma de aviso. Se um
homem precisar morrer para que outro se salve, não vejo nisso
qualquer contradição. Cresci ouvindo isso. Ele era filiado ao
partido. E os meios justificam os fins, algumas vezes. Em outras,
precisamos atravessar turbulências, gravidade para alcançar o
almejado. Tudo aquilo entrava na minha cabeça. O Estado precisa da
mentira, ela é útil a determinados manejos. Ele não pode
permanecer com a mentira. É legitimo utilizá-la, mas é preciso
torná-la real para quando for verificada. A mentira é uma projeção
do que será a verdade. Não poupe esforço para alcançá-la.
Minha
mãe não poupava críticas a mulher da casa da frente. Chamava-a de
uns nomes de reputação duvidosa. Ensinava que era errado o que ela
fazia. E tudo aquilo entrava em minha cabeça. A mulher da frente se
deitava com vários homens. A mulher da casa da frente tinha filhos
com eles. A minha mãe era uma guardiã da moral, saída de
passeatas da TFP, carregada de idéias que me pareciam certas. A
mulher deve ser casada, conformar-se com o casamento, morrer com o
marido, deve se dar ao respeito e não sair por aí se esfregando em
homem. Nunca, em minha vida, vi alguém tão vagabunda. Assim minha
mãe se referia a mulher da casa da frente. Elas não gostavam uma da
outra. Tinham longas discussões. Os filhos viviam em
competição. Tudo virava motivo para chacota. Se a filha da mulher
da casa da frente era reprovada ou se um de meus irmãos, não
importava. Minha mãe tinha a língua afiada e a mulher da casa da
frente também. Eu não gostava da mulher da casa da frente.
É
mentira. Sonhava com a mulher da casa da frente. Ela com a bermudinha
curta, mostrando a polpa da bunda. Ela lavando roupa sem sutiã. Ela
limpando o peixe com decote que deixava ver os seios. Sonhava em
meter um filho na mulher da casa da frente. Ela me olhava. Minha mãe
me recriminava quando me pegava olhando longamente para ela. Está
olhando o quê? Aquela piranha? Quando olhava a mulher da casa da
frente meu pinto ficava duro. Meu calção estufava. Demorava no
banho. Todo pensamento voltado para os seios, pernas e bunda da
mulher da casa da frente. Ela era vagabunda, deitava com qualquer um, por que
não comigo? Minha mãe via minhas intenções. Quer comer a piranha,
não é? Não, não queria apenas comê-la, mas trancá-la em um
quarto para servir somente a mim. E todos aqueles homens seriam
proibidos de tocá-la. Cortaria o pau de todos. O meu
pinto duro embaixo do calção quando ela passava. Ela vai ser minha.
Minha mãe, com rédea curta, não me perdia de vista.
Expropriação
não é roubo, é empréstimo. Quando a revolução triunfar todos
serão ressarcidos. E quando se toma de um tirano repatria-se para o
povo. Não há deslize ético nisso. Não se pode fazer um omelete
sem quebrar os ovos, não é? Quem é a menina por quem você está
apaixonado? A melhor camaradagem é entre homens. A mulher é para
trazer filhos para a revolução. É a parte mais fraca de uma
nação, não sabe? Por que você perde tempo com as mulheres?
Dei-lhe os livros, você leu? É improvável. Por que não resolve
logo isto? A mulher mora em frente à sua casa, não? Muitos
pretendentes. E você a quer só para si mesmo? Tire-a deles, rapaz.
Você é mais forte. Obstáculos? Remova-os. Lembra-se
do que disse sobre a revolução? Não há nada de errado nisso. É
preciso cautela. Além de cautela, planejamento. Se a
mulher é tão importante para você, ela é sua revolução. Procure
construí-la, rapaz. Às ferramentas, juventude!
A
mulher da frente conversa com minha mãe. Ela descartou no lixo um
caralho lilás. Minha mãe foi tomar satisfação com a piça na mão.
Balançava na cara da rival o membro molenga, exigindo explicação.
Parecia resultado de uma amputação. A mulher da frente, ria. Minha
mãe a olhava, perguntando qual era a graça. Os vizinhos também
riam. De fato, era engraçado. Duas mulheres, no portão, discutindo
sobre a propriedade do caralho. A mulher da frente vestia camisola. O cabelo preso brilhava em contato com o
sol. Minha mãe de terninho, pronta para ir ao trabalho. Meus olhos
pregados na piça molenga, agora, nas mãos da verdadeira
proprietária, que a manejava como um chicote. A discussão, encerrada. A mulher da frente viu minha mãe
virar-se para entrar, fez uma careta e um gesto: a boca e o brinquedo se conjugavam. Minha mãe se voltou outra vez. Ela
reassumiu a postura séria da conversa. Eu esporrei.
Ele
me entregou um estojo. Não se faz uma revolução sem armas. Abri o
estojo. Está municiada. Segurei o conteúdo do estojo. É um
revólver. Não precisarei dele. Claro que precisará, filho. Acha
que eles a entregarão facilmente? Não era preciso outro argumento.
Lembre-se: os opressores devem morrer. Nada pode se interpor entre
você e o seu desejo. Nada. Nem mesmo a sua mãe. Leve-o. Naquele dia
ele não me falou mais sobre revolução.
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