Cena

Em um recuo da rua principal, três travestis reunidos fazem convites sugestivos aos passantes. Quando passo pelo trecho, a insinuação de sexo oral de um deles não possui graça ou malícia, apenas desespero. Não contenho o riso pelo grotesco da circunstância: o aguaceiro e o dia avançado.


A interpretação equivocada do meu gesto provoca a aproximação da magrelinha. O rosto parece recém saído da puberdade. A voz aflautada quer ser convidativa. - Meu único interesse é mamar sua rola. Não vai custar nada além do seu tempo.


Lembrei-me dos bichas de minha infância que pagavam aos adolescentes pelas relações sexuais.


- Não vai me custar nada além do meu tempo?, provoco.


A magrelinha passa a língua nos lábios com avidez, mira minha cintura e repete a promessa. As duas outras colegas observam empolgadas a conversa, com a esperança da divisão da conquista cujo gozo resolveria o furor sexual.


- As minhas amigas podem me ajudar? Voltou-me os olhos lampejantes.


- Quantos anos você tem?


- Dezenove.


- Não se incomoda com a chuva?


- Moço, com o meu fogo, doido por uma piça…


- Lamento muito. Você é atraente (minto), logo achará alguém para uma festinha com suas companheiras.


Mal terminada minha frase, ela sinalizava o fracasso às colegas, decepcionadas. A frustração durou pouco. Elas revezam-se em busca de um sátiro no trecho ajardinado da rua, com suas torções corporais para acento dos atrativos, sem a proteção noturna e batizadas pelo aguaceiro.

Algum deus deve se apiedar de desejos sinceros assim.

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