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Mostrando postagens de 2007

Bolsa Funarte...Cortada à Gilete

“A decisão é soberana”. Perdi mais de cinqüenta paus autenticando, xerocando a documentação exigida para a participação da Bolsa de Estímulo à Criação Literária oferecida pela FUNARTE. Para quê? Isso ainda está sem resposta, porque se queriam premiar o Luiz Arthur Toríbio, não precisavam colocar em cheque o processo de seleção dos projetos, era só pedir que nós, os concorrentes, estaríamos de pleno acordo, porque já sabíamos dos serviços prestados por ele como ex-chefe da Assessoria de Comunicação Social do Minc. Mas como ninguém perguntou, criou-se este mal-estar, e, mesmo este senhor não conhecendo o júri, não me conhecendo e a nenhum dos outros concorrentes de todo o país, acabou por levar o descrédito às instâncias da cultura, reforçando a tese de clientelismo, nepotismo e favorecimentos que os democratas e indivíduos ditos saudáveis politicamente dizem não existir, acusando de neurótico àqueles que se posicionam desta maneira, pleiteando internação, camisa de força e choque elétri

Terrorismo Governamental - CPMF

Os jornais anunciam a suspensão da CPMF. Digo suspensão, porque a bica por onde escorre o dinheiro público não fecha nunca; agora o governo teme pelo estado da saúde no país, antes não temia? O ministro José Temporão teve até taquicardia quando se encerrou a votação, por que? Ele não usa o sistema público de saúde? Através dos jornais se observa a campanha de que sem a CPMF o país se tornará um caos: os servidores não terão aumento, os hospitais ficarão abandonados, e outras desolações. Lula, por favor, me explique. Sem a CPMF a coisa toda desandará, o país estará em apuros, mas o rio de dinheiro em valeriodutos, propinas, mensalões? E o patrimônio gigantesco detido pelo próprio filho do presidente? Então é mais imoral o fim ou a suspensão da CPMF do que estes crimes contra o patrimônio público? Não consigo localizar a indecência da medida, nem com isso uma estratégia da oposição para negociar cargos – talvez seja uma ingenuidade. Isto, uma ingenuidade, de minha parte, mas uma fraqueza

Repercussão Sobre Leitor, Abominável Leitor?

O blog Paralelos repercutiu a discussão levantada aqui sobre a opinião dos escritores contemporâneos a respeito do leitor. O quem me deixou bastante feliz. A caixa de comentários se não está cheia, pelo menos conta com nomes que leram atentamente o que foi dito, analisaram e postaram lá suas opiniões sobre as colocações dos autores, porque é apenas um texto expositivo de palpites alheio dados por ditos profissionais da literatura sobre um assunto há tanto tempo batido que é a formulação de uma antiga pergunta: o que é o leitor. E, cada um dos escritores se esforçou para encontrar a síntese capaz de definir esta entidade. Alguns com mais felicidade, outros com menos, mas todos buscaram uma resposta, ensaiaram uma maneira de compreender o fenômeno, mesmo que discordemos de algumas declarações. Rafael Rodrigues levanta na caixa de comentários se a obra de Faulkner – Som e Fúria – foi escrita para algum determinado leitor. No artigo já explicito logo em seu inicio que a resposta é positiva

De Mal com o Mundo

Dedicado a Aurea Meu amor acordou irritado. Os chinelos apertavam demais os pequeninos pés, remancheava uma mecha do cabelo, porque estava uma palha, precisava urgente de cabeleireira e manicure, máscara anti-rugas, depilação, não agüentava se ver com aspecto tão feio implorava para que eu me virasse, não ousasse tocá-la, porque tinha colocado em dia as aulas de defesa pessoal e me arrependeria profundamente. Não adiantaram meus apelos de que estava tão bonita, nem as minhas comparações poéticas, tentando convencê-la da beleza única que tinha. Deu muxoxo. Sentou-se na beira da cama. O roupão de banho deixando ver à ponta dos joelhos, tão brancos, tão lindos. Os cabelos umedecidos escapavam da toalha que formava uma touca, os lábios avermelhados tinham a mesma coloração das bochechas em estado de excitação, preocupadas com o que seria de si mesma se fosse vista como estava, seria uma vergonha. Meu amor acordou irritado. Cansada de ser morena, optou por ser loura. Botou vestido justo, de

Leitor, Abominável Leitor?

A recorrência a entrevista de determinados autores é sempre uma ferramenta útil para compreender o processo no qual se envolvem quando se decidem criar, nisto expõem os mecanismos de sua ficção, mostrando o comportamento diante da página em branco, dividindo com o leitor a sensação de desamparo quando não conseguem realizar como pretendiam o trabalho em que estavam envolvidos. A Revista Malagueta – revistamalagueta.com – um sítio virtual que acolhe parte da produção literária contemporânea, abriga uma série de entrevistas que juntam dois escritores, geralmente de tendências diferentes, submetendo-os a um questionário elaborado pela equipe do sítio, levando em conta as idéias de Zadie Smith, escritora inglesa, autora do ensaio Fail better. A surpresa destas entrevistas é o menosprezo com que a maioria dos escritores trata a figura do leitor, chicoteando-o para fora de suas ambições, eliminando a concepção do leitor implícito, de Wolfgang Iser, que defende que há uma parceria criativa en

Reflexões Sobre A Literatura Brasileira Contemporânea

A literatura brasileira contemporânea sofre de anemia. Este diagnóstico é o menos pessimista, poderia se dizer que padece de uma doença terminal: a PRESUNÇÃO, que em poucos dias dizima o corpo do paciente, mas não quero ser um alarmista, porque de alguma forma estou incluído no conjunto de que falo, não podendo me furtar a reflexão crítica, mesmo que amarga. A reflexão teve como ponto de partida a leitura de três livros de jovens autores recém – lançados. Um gaúcho e os outros dois cariocas. A minha primeira estranheza: os livros têm uma mesma dicção. Parece que com a internet, a rapidez de comunicação por meios tecnológicos, às questões regionais tanto da língua como da cultura estão indo por água abaixo, ou estão em um plano bastante inferior, porque não são levadas em conta no fazer artístico dos novos autores. A referência a este fator se deve a leitura do romance do autor gaúcho que se tivesse sido escrito em Bombaim não faria a mínima diferença, porque não há um traço identificad

Carta Para Tobias

Alguns romances possuem premissas excelentes, contando apenas consigo próprios dariam livros inesquecíveis, talvez clássicos que nos acompanhassem por toda uma vida, mas concorrendo com a colaboração de determinados escritores, arriscam-se a ser mal – escritos, às vezes aquém do que mereceriam, se pudessem contar com uma geração espontânea, aparecendo como mágica nas prateleiras das lojas, nas estantes das bibliotecas, e, na escrivaninha das casas. Digo isso por ler um romance estrangeiro que me havia impressionado bastante com a propaganda em torno dele, mas o fator principal era de que pertencia a um escritor experiente, alguém premiado, contando com uma fortuna critica de dar inveja, entretanto com o aproveitamento quase zero no desenvolvimento de sua estória. Talvez diga isso por me ocupar da leitura como um objetivo principal, e durante o seu ato, reescrever muitas das vezes o livro lido, com as possibilidades desprezadas pelo autor. Acredito que todo o leitor tem a obrigação de u

Capitulo I

A pelada era todo fim de semana. Sábado pela manhã a rapaziada se reunia, formava o time, distribuíam-se as camisas, escolhia-se o lado do campo no cara ou coroa, o jogo começava. Só que a coisa não era tão simples à primeira vista. A primeira etapa era tranqüila, percorria-se a rua, chamando-se de casa em casa os interessados na pelada. Muitos apareciam nas janelas estremunhados de sono, pedindo um pouco de paciência que em instante se arrumariam, se juntando a procissão, quando não deparávamos com algum cão danado por canelas moças, disposto a lidar com as peraltices da turma. Superada esta fase, chegava à hora de se distribuir as camisas, isso que dizer escolher o time. A zoada maior era neste momento, porque não se queria pernas de pau em nenhuma parte do campo, exceto no gol, porque ali atrapalhavam, menos. Parecia um pregão de feira quando se discutia por um e não por outro moleque, citavam-se as qualidades e defeitos como justificativa para a opção, algumas vezes beiravam a ofen

Os Objetos se Desesperam?

Semana passada a orfandade do livro esquecido por um rapaz me levou a uma reflexão inconseqüente, que julguei interessante no principio, mas agora duvido um pouco sobre a importância que teve quando comecei a engatá-la em meu pensamento, porque me sentia incapaz para responder aquela pergunta que rondava o meu cérebro, insistindo em ser decifrada, abandonando a sua condição se enigma, esvaziando-se da importância que eu lhe atribuía, será que os objetos abandonados sentem desespero? Quando o livro ficou sobre a mesa do restaurante, esquecido pelo rapaz, se ressentiu por não ter mais o calor do dele sobre suas páginas? Não teve medo em cair em mãos alheias e ser mal utilizado, talvez rabiscado, rasgado, jogado em uma lixeira, como um detrito qualquer. A idéia me ocorreu depois que percebi a situação de desamparo de um longo guarda - chuva negro, largado em um banco de ônibus, esquecido ali pela pressa de seu antigo proprietário, cabo de madeira recurvado, anelado, gasto pelo contato das

Orfandade

O rapaz retira do bolso o exemplar do meu livro. Carrega no lugar da carteira. Se alguém tentar bater-lhe o livro não ficará triste, porque de certa forma estará prestando um favor ao ladrão, a intenção de alfabetizá-lo, instruí-lo mais sobre o mundo que o cerca. Se eu fosse o ladrão me desgostaria profundamente, porque livros não têm o capital necessário para se pagar à conta de luz no fim do mês, o máximo de combustível que dão à vida de alguém é o sonho, e, para alguém do mundo de hoje há maneiras muito mais diretas de entrar em contato com o mundo onírico do que folhear as páginas de um volume insosso. Não comunico ao rapaz minha impressão sobre a sua espécie de ajuda social ao ladrão, colocando o livro no lugar em que habitualmente ficaria a carteira; não quero contribuir para aqueles longos discursos que muitos leitores desenvolvem a respeito de uma certa humanidade espezinhada, não compreendida por nós, que pede a aceitação de suas diferenças, que implora socorro, que simplesmen

A Primeira Lição : A Vida

(Sobre a descoberta da doença e o estado de confusão psicológica) - Mariel, hoje eu saí à rua. Não pude evitar em sentir inveja. Até me reprovei por ter um sentimento assim, mas não deu jeito. Olhava os casais, as crianças brincando, os vizinhos lavando o carro, tudo o que eu sentia era inveja, porque eu não poderia viver mais? Porque está doença se arrastava sorrateiramente dentro de mim? Por quê? – Era o que eu me perguntava. Não estava acreditando que a morte tinha se infiltrado dentro dos meus músculos. Nem que agora forçava passagem para penetrar na minha mente. Aqui ela não pode morar, disse a mim mesmo, não posso hospedar a dor durante tanto tempo, não quero. Tento me distrair, volto minha atenção para outro lugar, para outras coisas, mas nada me parece mais urgente que a idéia da morte, como essas notícias que antes pareciam presas em algum lugar distante ganharam vulto ultimamente. Agora tudo parece colado em mim. Mesmo a morte mais insignificante. (Sobre a angústia por encont

Pensamento (Des)Norteador

"Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca." Darcy Ribeiro

Perfis Brasileiros VI

Dedicado a Juju Grete foi comprada numa loja de artigos usados. Era uma boneca em tamanho natural. Custou apenas quinze pratas. Estava entulhando a loja, segundo a vendedora, se tiver criança ela ficará feliz com o presente, finalizou. Pegou o dinheiro. Como se tivesse esquecido algo, voltou para perguntar se queria que embrulhasse, disse que não, levaria para casa assim mesmo. Chamei um táxi. Não poderia ir de ônibus para casa, talvez estranhassem. O taxista não se mostrou surpreso, indicou que a corrida com aquela bagagem teria um acréscimo no valor : dez por cento sobre o preço da bandeirada. Senti que me roubava, mas não me arrisquei a arrumar confusão. Durante todo o caminho espiava meu comportamento, talvez não compreendesse minha solidão, estranhava minha relutância em chamar uma prostituta ou procurar uma guria para casar, afinal eu era novo, tinha boa aparência, conforme notava o taxista pelo retrovisor. Não dei importância, só queria chegar logo, Grete não mostrava sinal de i

Perfis Brasileiros V

A minha inscrição no inferno tinha alguns dígitos. A roupa não combinava com a ambição de me manter impecável para as mocinhas, nem os chinelos me emprestavam o ar de rei quando eu atravessava o corredor em direção à cela, mas nem por isso fiquei abatido. Não poderia, a peteca não pode cair e faz parte do jogo.Desde bem cedo, eu sei, o negócio é doido, mas não vou intrometer gíria nesse relato, estou me alfabetizando, a liminar que meu advogado impetrou, convenceu os “home”, agora freqüento o banco escolar, sem intenção nenhuma de fugir, isso é sincero, meu chapa. A vida lá fora não tá moleza, pelo menos aqui não pago aluguel, tenho, como se diz por aí, casa, comida e roupa lavada. Liberdade é um detalhe que a gente corrige, sempre que se pode chegar à janela, mas quem me garante que quem está lá fora é realmente livre? São por essas e por outras que vou mantendo a disciplina, ficando quietinho no meu canto, sem arrumar problema com ninguém, por mais que eles às vezes me procurem. Ten

Em Busca do Editor Perdido

Faz algum tempo que foi noticiada minha busca por uma editora... Enviado por Augusto Sales - 10/5/2007- 19:15 O labirinto Marielesco O amigo Mariel Reis liga para dizer que está finalizado seu mais novo livro, um micro-romance, como ele mesmo definiu. Segue abaixo um fragmento do livro. O Presente Por Mariel Reis A mulher começou a desfiar-se. Destrançou o pé esquerdo. Não havia percebido o quanto era bonito, enamorou-se por ele, chegando a niná-lo. Quando deu por terminado o trabalho, cortou com a tesoura o pequeno novelo formado pelos fios do pé e o guardou numa pequena caixa aveludada. Recomeçou o trabalho na manhã seguinte. Colocou na caixinha a perna direita e esquerda; os quadris; o púbis; os braços enfeitados e o cabelo perfumado. Restavam de fora as mãos e os olhos como uma pequena fantasmagoria. Batidas na porta, era Ele. Correu para a mesa onde estava posto o jantar. Havia um jarro com flores e um pequeno cartão :“Feliz Aniversário.”Ele, descuidado, não percebeu o presente.

Perfis Brasileiros IV

Eu me afogava. Não conseguia parar de afundar no corpo da gorda. Era esta minha sensação: a de um naufrágio. Ela não parava de mexer, me apertar contra o próprio corpo, esfregando-se violentamente contra meu sexo que intimidado perdia a rigidez, falava obscenidades no meu ouvido, pedia, implorava para deixá-lo duro novamente, mas eu não conseguia, me concentrava, pensava em outras mulheres, para ela não importava, só desejava saciar sua fome e sua sede, não estava nem um pouco interessada em mim, sentou no meu colo, o peso tremendo, uma calcinha tão pequena que desaparecia sendo mordida pelas carnes molengas, a boca entupida de sacanagens, o demônio parecia dançar sobre aquela cabeça minúscula, bem feita, com olhos brilhantes, as mãozinhas procuravam sem trégua me animar, quando se jogou no carpete, abriu bastante as pernas, deixando a mostra o sexo grande, úmido, faminto, pegou a escova cabelo, enfiou todo o cabo, quase desaparecia, pedia que eu enfiasse minha mão, que retirasse a esc

Perfis Brasileiros III

Dedicado a Salgueirinho Dou o dinheiro. A cobradora não o confere. “Confio em você”. A linha liga dois bairros distantes, a viagem demora em média uma hora e quarenta e cinco minutos, não se pode esperar muito em uma cidade com tantos carros na rua, a paisagem desliza através da janela, a pobreza margeia toda a avenida principal, passam pelo acostamento homens com carrinhos repletos de tralha, mulheres de aspecto miserável com uma fileira de crianças esfarrapadas, carcaças de automóveis abandonados, na beira da pista cavalos soltos, complicando a vida dos motoristas que têm que prestar atenção tanto na via quanto no passeio irregular, dividido por animais e pessoas. O ônibus chacoalha bastante, o asfalto esburacado impede o avanço. Alguns passageiros jogados no ar por um solavanco mais forte reclamam, a cobradora lê uma revista de fofoca, aponta a plaqueta acima de sua cabeça com o telefone da prefeitura. O motorista endossa e emenda: dirigir nas estradas naquele estado era um crime, q

O Cativeiro de Roupa Nova

A minha escolha por um visual novo para o Cativeiro está diretamente ligada a entrada do meu cachorro na Era Digital. Não contente em fazer o próprio blog, atuou como meu consultor para assuntos estéticos e se auto entitulou personal estilista cibernético. Teve o desplante de criticar o aspecto demodê de minhas mal traçadas linhas, por isso a roupa nova. Talvez ele se convença de que possa me levar ao baile sem o risco de que eu faça pipi na perna dos outros.

A Mensagem

Dedicado a Paulo Lins Marco arremessa a lata para cima da laje. Juninho a joga para outra e Bira a atira para outra até a lata chegar ao destino. As últimas mãos a pegar na lata, sempre de leite em pó, a destampa e verifica se o combinado está depositado no interior. Se a coisa está correta, a lata volta a fazer todo a caminho inverso até chegar às mãos do primeiro que a arremessou e dentro dela está o pagamento, quase sempre em dinheiro; outras vezes em favores com indicações de quem deveriam fazê-los em bilhetes mal-escritos, com letras cheias de garranchos e erros de ortografia. Mas o premiado não ligava importância a isso. Na segunda-feira a lata chegou um tanto amassada. Dentro dela o bilhete de um informante: "Maurinho, cuidado". Maurinho leu o bilhete e logo telefonou para Marco para saber se o informante ainda estava com ele. Marco respondera que sim. "Coloca ele aí no telefone”."Fala, Branco”."Fala”."Que porra é essa, hein?" "Foi o

O Pássaro*

Dedicado a Jorge Ferreira Ouriques Junior. I Na semana seguinte, sem emprego, sem ter onde cair morto aceitei uma ocupação. - O Senhor cuida de pacientes assim desde quando? - Desde que me entendo por gente (mentia). - Então deve ter boas referências. - Sim,tenho. Apresentei uma lista de nomes para quem a entrevistadora poderia ligar se quisesse confirmar a minha experiência de longa data. Todos meus amigos que se dispuseram a partilhar da mentira. - Então você pode começar amanhã. - Amanhã?!- disse entre chocado e surpreso. - Sim. Algum problema? - Não. Está ótimo para mim. Liguei desesperado para um amigo que é enfermeiro, ele solícito respondeu a todas as minhas perguntas. - Calma, Olimpio, calma. É só um rapaz, você vai conseguir. Na maioria são uns amores. - Mas eu nunca cuidei de pessoas especiais antes. - Calma, meu bem. Não fui eu que meti você nessa. Além do mais o rapaz é asseado pelo que você me disse. E é só levá-lo para passear, cuidar das refeições, sociabilizá-lo. - Mas,

Jonas, A Baleia

Jonas acordou transformado em uma imensa baleia. O pequeno quarto que habitava mal suportava o tamanho adquirido com a mudança de forma, os braços, agora barbatanas, agitavam-se desajeitados, procurando se apoiar em alguma coisa, tentando encontrar a porta, mas percebeu que seria inútil, não tinha mais dedos, não poderia virar a maçaneta; as pernas não existiam, somente a cauda que balançava para espantar as moscas que lhe vinham perturbar. Jonas olhou a imagem de Cristo presa à parede, talvez se tratasse de uma vingança, tinha inimigos poderosos. Como explicar que tenha acordado com esta forma? A memória da noite anterior lhe surgia, misturada às outras lembranças - tumultuadas. Se alguém lhe envenenou a bebida? Se o quarto estivesse equipado com algum aparelho que alterasse as percepções sensoriais, produzindo a alucinação? O café seria servido dali a meia hora. Jonas não conseguia achar uma saída, quando teve a idéia de derrubar os móveis, fazer barulho, talvez o socorressem, arrom

Por Que Escrevo

Dedicado a Aurea A curiosidade, primeiro principio da busca intelectual, não era o meu forte enquanto serralheiro, porque me encantavam aqueles adornos que encimam os portões. Uma preguiça retardava meus avanços e me arrastava para tarefas manuais, tendo sorte em algumas, cheguei a desenvolver a profissão de aprendiz do trabalho que me lembrava um pouco os enfeites das igrejas antigas do centro, uma espécie de rococó urbano. A leitura não era minha tarefa favorita. E também isso não fazia com que me destacasse na sala de aula ou fora dela; as meninas se sentiam atraídas pelos rapazes que se desenvolviam bem nas barras paralelas e no plinto (nome engraçado esse), enquanto que eu me danava em descobrir como chamar a atenção das pequenas com meu corpo franzino e pouco dado a exercícios ou esforços como o giro triplo na barra vertical. Esse nome pomposo era a maneira com que eram testados os candidatos a entrar numa turma do colégio, aquela patota que domina a área e se aproveita dos mais

Perfis Brasileiros II

João João era visto dando intermináveis voltas no quarteirão. Não se cansava de realizar aquilo que chamava de o quadrado perfeito, confessava que aquele era o formato divino e não a circunferência como muitos já haviam defendido, que se ele se esquivasse de formá-lo toda vez, o mundo acabaria, porque esta a sua missão: manter as coisas nos lugares até que o Juízo viesse a ocorrer e todos os homens fossem julgados conforme a vontade do Criador. Dia e noite João não dava tréguas ao perímetro a ser coberto com seus passos; às vezes caminhava rápido, outras dava pulinhos como se jogasse uma amarelinha imaginária, corria como se participasse de uma maratona, ou simplesmente caminhava como se realizasse um exercício para a manutenção e bem-estar da saúde. Os lojistas não ligavam importância por vê-lo todo o dia passando em frente às vitrines, tiravam proveito desta situação, espalhando o boato de que se tratava de um vigia, afastando os maus elementos; os que ainda se espantavam eram alguns

Perfis Brasileiros

Estevão Estevão é o homem encarregado dos corpos. Ninguém o procura, por medo, porque lida com mortos. Somente os parentes de desaparecidos são obrigados a lhe dirigir a palavra para encontrarem o cadáver na pilha de corpos dentro do frigorífico, quando não acham o que procuram, voltam desconsolados para casa, às vezes xingam, outras desmaiam quando deparam com o estado do corpo, alguns em estado avançado de apodrecimento. Nestas visitas, Estevão recebe todo o tipo de pessoa, inclusive aqueles que lhe subornam por um espaço mais confortável no freezer para o corpo do familiar, amigo ou parente, prometendo-lhe vantagens futuras, caso precisasse deste ou daquele serviço, entregando-lhe cartõezinhos com telefones. A maioria destas pessoas eram mulheres que viam em Estevão uma chance de se consolarem de suas perdas. Talvez viúvas como ele próprio costumava achar, que fragilizadas pretendiam chorar as mágoas no primeiro ombro que aparecesse, no par de ouvidos que cedesse atenção a enorme la

Desde Que o Samba é Samba é Assim...

Estação Pavuna – Estação Samba. O gênio é um homem discreto, caminhando pelas ruas do bairro, levando nas mãos o cavaco, olhando calmo as paisagens que investiga nas suas canções, desenrolando uma idéia sadia com a rapaziada,parando para dar atenção aos tipos que ninguém pararia para ouvir, acenando para mulheres que ninguém ousaria cumprimentar, levando um sorriso afável,convidativo, acolhedor. Marcamos o encontro na Estação da Pavuna, na Praça Copérnico. “A meu jeito eu também construo meu sistema solar” sentencia Carlos Alberto dos Santos, sem saber direito que está filosofando, atirando ao redor uma melodia conhecida com seu instrumento, emendando com a voz “Agora/Lutar por você com palavras/ Pode ser uma luta muito vã/ Entretanto são muitas as manhãs/ E eu pouco para te amar”,sabendo que no amor as palavras tem pouca força para traduzi-lo em seu turbilhão e percebendo que quem ama sempre se esgota na manhã seguinte para se reinventar no amor e na maneira que ele renasce para o out

Repercussão

O amigo e escritor Rotsen desta vez : A Tropa está nas ruas de Paraíso Tropical Duas coisas que li estes dias em virtude da Tropa estar nas ruas me chamaram a atenção, uma foi no conto acima, no seguinte trecho: "Se ligou no filme dos homens? (referia-se ao filme Tropa de Elite)" A gente com o nosso (Cidade de Deus) e agora eles com o deles"; a outra, foi uma manchete de jornal no sábado, depois do fim da novela televisiva Paraíso Tropical, que dizia mais ou menos assim: Capitão Nascimento é pinto diante do Olavo. A comparação se dava porque o ator que interpreta os dois personagens é o mesmo e, porque o personagem televisivo, é muito mais mau do que o cinematográfico, tentou matar até a própria mãe. Todo dia na minha sala, Capitão Olavo vomita na minha cara, e na de minha filha de sete anos, palavras como prostituta e vagabunda, além de outros adjetivos carinhosos pelos quais trata sua amante. A modelo da vez, duplamente modelo, primeiro pelos bons exemplos que difunde,

E Por Falar em Saudade...

Para Mara Coradello, PARA UMA ESCRITORA, VITÓRIA Navego na linha tênue do futuro. E lá uma saudade berra sem fim.Berra porque não há outro meio para que a cidade aconteça dentro de mim.Não sem seus exageros, seus complicados aforismas, sem suas saias plissadas, sem o vendedor de amendoim, sem a estranha preferência pela Prefácio, quando existem outras livrarias maiores para abrigarem nossas angústias. E o berro como aquele lançado por uma parente distante, de linhagem nobre, o Quincas, dói em mim como lua minguante nascendo da goela do peixe-homem. Fisgado por seus mistérios, e luares. Pela dança tropega de quem tomou táxi para Viena d'Áustria como música barroca derramada aos ouvidos e a cabeça tombada em ombro com mil sonhos efusivos formando ciclones que me arrastavam. E na breve cisão que o tempo causará (pois breve, não há intervalo no pensamento), resgatarei comigo o nome de pratos complicados degustados augustamente e maramente em restaurantes em que tive de ser salvo da fúr

Cativeiro Amoroso e Doméstico

Talvez Camões tenha composto para Dinamene, a chinesa, que não se salvou do naufrágio de que o poeta foi sobrevivente. Por minha vez o dedico àquela que me tem cativo porque nela vivo : Aurea. Endechas a Bárbara escrava Aquela cativa Que me tem cativo, Porque nela vivo Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves molhos, Que pera meus olhos Fosse mais fermosa. Nem no campo flores, Nem no céu estrelas Me parecem belas Como os meus amores. Rosto singular, Olhos sossegados, Pretos e cansados, Mas não de matar. U~a graça viva, Que neles lhe mora, Pera ser senhora De quem é cativa. Pretos os cabelos, Onde o povo vão Perde opinião Que os louros são belos. Pretidão de Amor, Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocara a cor. Leda mansidão, Que o siso acompanha; Bem parece estranha, Mas bárbara não. Presença serena Que a tormenta amansa; Nela, enfim, descansa Toda a minha pena. Esta é a cativa Que me tem cativo; E. pois nela vivo, É força que viva. Quem é Luís Vaz de Camões? Luís Vaz

John Fante Trabalha no Esquimó

Remake que vale a pena: Durante um período eu me perguntava como poderia reconhecer na rua os meus escritores prediletos, em um jogo de adivinhação, traçava quais características teriam e como se apresentariam aos meus olhos, porque perscrutava os rostos alheios tentando descobrir neles semelhanças com o escritor que desejaria ver naquele momento. O jogo começou quando consegui o meu primeiro emprego de office-boy no Centro do Rio de Janeiro. Andava pelas ruas,examinando atento cada passante e anotava onde e quando topei com ele e com qual escritor se parecia,e montava um pequeno perfil do transeunte como um retrato 3x4 para manter acesa na minha memória a necessidade desse encontro e o sonho de um dia cruzar, mesmo que com um sósia, com Lima Barreto ou Machado de Assis ou João do Rio ou qualquer outro escritor estimado. Assim o homem da banca de jornal em frente ao edifício São Borja, na Avenida Rio Branco, se tornou Jamil Snege. O caixa do restaurante Esquimó, onde eu fazia as refeiç