Jonas, A Baleia

Jonas acordou transformado em uma imensa baleia. O pequeno quarto que habitava mal suportava o tamanho adquirido com a mudança de forma, os braços, agora barbatanas, agitavam-se desajeitados, procurando se apoiar em alguma coisa, tentando encontrar a porta, mas percebeu que seria inútil, não tinha mais dedos, não poderia virar a maçaneta; as pernas não existiam, somente a cauda que balançava para espantar as moscas que lhe vinham perturbar. Jonas olhou a imagem de Cristo presa à parede, talvez se tratasse de uma vingança, tinha inimigos poderosos. Como explicar que tenha acordado com esta forma? A memória da noite anterior lhe surgia, misturada às outras lembranças - tumultuadas. Se alguém lhe envenenou a bebida? Se o quarto estivesse equipado com algum aparelho que alterasse as percepções sensoriais, produzindo a alucinação? O café seria servido dali a meia hora. Jonas não conseguia achar uma saída, quando teve a idéia de derrubar os móveis, fazer barulho, talvez o socorressem, arrombando a porta, chamando um guindaste para retirar seu corpo pela janela e seria colocado sobre uma carreta, levado até o mar e abandonado para que seguisse livre a nova existência. Jonas ocupou o pensamento com todas as especulações prováveis, o corpo ressecava, ardiam os olhos, o ar parecia castigá-lo com o contato. Os outros inquilinos não pareciam dar importância ao barulho vindo do quarto de Jonas, acreditavam se tratar de um acesso de fúria, talvez fosse epilético e aquela mais uma crise, melhor não se envolverem com questões alheias, todos pareciam concordar com esses argumentos, defendidos pela proprietária da pensão; mal terminavam às criticas ao morador que enfurecido quebrava todos os móveis, um silêncio tomou conta do ambiente, trazendo tudo à normalidade. A proprietária fazia contas para saber quanto lhe deveria o morador do apartamento destruído; um dos inquilinos resolveu verificar se estava tudo bem com seu vizinho de corredor, subiu as escadas, parou diante do quarto, bateu, não teve resposta. Investiu contra porta, que saiu dos batentes, mas alguma coisa impedia que se desprendesse, percebeu o corpo enorme de uma baleia atravessado no cômodo, não atendeu à visão no primeiro minuto, esfregou os olhos, certificou-se de que não era uma miragem. Se o animal tivesse engolido Jonas? Todo aquele barulho, talvez ele tivesse lutado contra o bicho furioso. Era estranho. Porque a expressão dos olhos voltados para a imagem do Cristo presa à parede lhe conferia uma aparência humana, familiar. A proprietária tratou de cortar o peixe, em breve chegaria o inverno, a carne faria parte da sopa.

Comentários

Cheyenne Pereira disse…
Existe mesmo uma indiferença e também uma alienação mercantilista em nosso cotidiano, nos afastando e individualizando nossas vidas entre quatro paredes. Ainda que a situação seja extraordinária. Ao ler esse texto e pensar a respeito dessa maneira, me veio a lembrança uma notícia de um jovem - no jornal da manhã - que ele dizia:

- "Fui educado para ter um sentimento de ajudar as pessoas. Depois disso não quero ajudar mais ninguém! Não quero saber de mais ninguém! Vou pensar em minha segurança em primeiro lugar".

Ele havia sido espancado por ter avisado ao carro, ao lado, que uma das portas estava aberta. E os rapazes do veículo acharam que ele tivesse paquerando a menina. Fecharam o carro dele e espacaram o rapaz!

Morre a solidariedade para dar lugar ao individualismo.

E que gosto tem Jonas? Provavelmente de galinha... como tudo aquilo que não sabemos identificar o que é! Boa sopa... Bom apetite!!!

Bacana seu texto...

Bj grande Mariel.

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