E Por Falar em Saudade...

Para Mara Coradello,

PARA UMA ESCRITORA, VITÓRIA

Navego na linha tênue do futuro. E lá uma saudade berra sem fim.Berra porque não há outro meio para que a cidade aconteça dentro de mim.Não sem seus exageros, seus complicados aforismas, sem suas saias plissadas, sem o vendedor de amendoim, sem a estranha preferência pela Prefácio, quando existem outras livrarias maiores para abrigarem nossas angústias. E o berro como aquele lançado por uma parente distante, de linhagem nobre, o Quincas, dói em mim como lua minguante nascendo da goela do peixe-homem. Fisgado por seus mistérios, e luares. Pela dança tropega de quem tomou táxi para Viena d'Áustria como música barroca derramada aos ouvidos e a cabeça tombada em ombro com mil sonhos efusivos formando ciclones que me arrastavam. E na breve cisão que o tempo causará (pois breve, não há intervalo no pensamento), resgatarei comigo o nome de pratos complicados degustados augustamente e maramente em restaurantes em que tive de ser salvo da fúria de maitres enraivecidos por pedir feijão e arroz. Sem a mínima sensibilidade para o gosto fino. Eu não sou de gostos finos. Pedestre das cousas acontecidas, antecipo o fim dessas aventuras que me nominavam. Essa espécie de educação sentimental através de gourmets e passeios a esmo numa cidade em que sozinho restauro as lembranças dos lugares que nos eram. Navego sem bussola, escrevo mal porque as coisas ditas pra ficarem são ditas assim aos berros, sem retoques, sem elegância, porque o amor é descompostura. É linha livre de acento na casa do botão. É um botão roubado pra enfeitar lapela, ou cabelo. E ninguém liga a mínima pro que eu escrevo, e por isso posso ser assim sentimental como aquela canção do Altemar. Navego na linha tênue do futuro. E o farol aponta a frente meus olhos mortos, boiando em quem fui através de outras pessoas: Aurea, Mara, Isabelle, Dutra, Vinícius, Sales, Dora, Helena, Menelau, Iracema, Didi, Ciço, Emilia, Gica, Jorginho, Maximo, Cristina e cem outros. Eu não sei existir com tantos buracos em mim. Tanta treva. E a luz infesta vez em quando meu corpo fraco, e não tenho certeza que minhas pernas aguentarão uma légua a mais ou que o meu berro se sustente enquanto a dor não tiver se extinguido

Ainda contei com os importantes comentários :
Miguel do Rosário - 19/9/2005 - 3:23Bonito e triste, considerando que o fundo musical do texto é o retorno da escritora à ilha outrora ocupada pelos enfurecidos aymorés... (hellbar.blogspot.com)

Arnaldo Bloch - 19/9/2005 - 1:27Legal blogs assim.

Comentários

ideiasaderiva disse…
Meu caro amigo, tá difícil acompanhar o ritmo das horas e das coisas. Por isso não consegui ler todos os textos do cativeiro... aliás, “cativeiro amoroso” ? hummm, sei não. rs

Gostei muito deste texto. Achei-o confuso, mas muito proveitoso. Muito rico. Cheio de grandes acertos.

Grande abraço.

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