Os Objetos se Desesperam?

Semana passada a orfandade do livro esquecido por um rapaz me levou a uma reflexão inconseqüente, que julguei interessante no principio, mas agora duvido um pouco sobre a importância que teve quando comecei a engatá-la em meu pensamento, porque me sentia incapaz para responder aquela pergunta que rondava o meu cérebro, insistindo em ser decifrada, abandonando a sua condição se enigma, esvaziando-se da importância que eu lhe atribuía, será que os objetos abandonados sentem desespero? Quando o livro ficou sobre a mesa do restaurante, esquecido pelo rapaz, se ressentiu por não ter mais o calor do dele sobre suas páginas? Não teve medo em cair em mãos alheias e ser mal utilizado, talvez rabiscado, rasgado, jogado em uma lixeira, como um detrito qualquer. A idéia me ocorreu depois que percebi a situação de desamparo de um longo guarda - chuva negro, largado em um banco de ônibus, esquecido ali pela pressa de seu antigo proprietário, cabo de madeira recurvado, anelado, gasto pelo contato das mãos fortes do dono, a lona desgastada mostrava o uso freqüente, alguns pontos descoloridos indicavam que servira também de guarda – sol, o manuseio constante parecia tê-lo impregnado da aura do homem que o possuía. Percebia a resistência que tinha em se adaptar a minha mão, escorregava, emperrava para abrir, as varetas se cruzavam quase se arrebentando, saíam às proteções de ponta das varetas arriscando cegar alguém caso não se tivesse cuidado, senti que o objeto se rebelava. Era uma pena, porque como um homem se toma de sentimento por um cãozinho abandonado, eu estava de mesma forma por aquele guarda – chuva que se quiséssemos seguir na comparação seria o mesmo que encontrar um filhote de pastor belga na soleira da porta de casa em uma caixa de papelão com o bilhete: “Cuide desse pobrezinho, por favor”. A piedade encheu meus olhos de lágrimas. Tomei o guarda – chuva nos braços, dele se desprendia o pedido de ajuda, quase interroguei todo o ônibus para saber se alguém o tinha perdido. Minha mulher não me deixou cometer a loucura. Era melhor levá-lo para casa e cuidar muito bem dele, talvez com o mesmo carinho que o antigo dono. Talvez a orfandade do livro esquecido pelo rapaz tenha atingido algo dentro de mim desconhecido, mas não consegui me esquivar da pergunta, mesmo que absurda, será que os objetos que repousam na seção de Achados e Perdidos padecem de desespero? Será que têm esperança do reencontro com os proprietários? Não morreriam de uma tristeza tão grande que quando fossem repassados para outras pessoas, se encontrasse ali apenas um cadáver, sem a natural graça de quando vivo, servindo a utilidade a que se destinara, ao proprietário a que se propunha? Levando esses objetos não estaríamos subtraindo algo à história de quem o detinha? Não desapareceria partícula de sua memória, com o desmonte causado pelas perdas? Será que meu novo guarda – chuva, este animal negro, sujo e abatido, que se rebela toda vez, irá aceitar o novo controle, não terá ele antropofobia? Ou alguma histeria que o impeça de se relacionar? Meu deus como é complicado esse mundo...

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