O Pássaro*
Dedicado a Jorge Ferreira Ouriques Junior.
I
Na semana seguinte, sem emprego, sem ter onde cair morto aceitei uma ocupação.
- O Senhor cuida de pacientes assim desde quando?
- Desde que me entendo por gente (mentia).
- Então deve ter boas referências.
- Sim,tenho.
Apresentei uma lista de nomes para quem a entrevistadora poderia ligar se quisesse confirmar a minha experiência de longa data. Todos meus amigos que se dispuseram a partilhar da mentira.
- Então você pode começar amanhã.
- Amanhã?!- disse entre chocado e surpreso.
- Sim. Algum problema?
- Não. Está ótimo para mim.
Liguei desesperado para um amigo que é enfermeiro, ele solícito respondeu a todas as minhas perguntas.
- Calma, Olimpio, calma. É só um rapaz, você vai conseguir. Na maioria são uns amores.
- Mas eu nunca cuidei de pessoas especiais antes.
- Calma, meu bem. Não fui eu que meti você nessa. Além do mais o rapaz é asseado pelo que você me disse. E é só levá-lo para passear, cuidar das refeições, sociabilizá-lo.
- Mas, Carlinhos, a única coisa de que cuidei na vida foi de passarinho.
- É quase igual.
Desligou.
II
Na manhã seguinte lá estava eu sentado num dos degraus da porta da casa. Esperando o horário de entrada. E na minha direção aproxima-se um rapaz quase da minha idade, branco, estatura mediana, segurando uma mochila. Um boné virado para trás, as canelas grossas e peludas. Logo atrás dele, a entrevistadora que se revelou tia dele.
- Aí está ele.
- É um rapaz bastante bonito.
- Uma criança. Cuide dele
- O salário. Não falamos dele ainda.
- Será bem pago.
Tomei as mãos do rapaz e juntos subimos pela rua onde ele morava em direção ao ponto onde o motorista nos apanharia para levá-lo ao colégio.
- Tudo bem. Acho que vamos ficar muito tempo convivendo juntos para não nos apresentarmos. Sou Olimpio.
Ele estendeu as mãos, esboçou um sorriso sem graça, num rosto torcido pelo esforço de entender minhas palavras.
- Pedro.
No caminho ficou o tempo todo calado. E eu pensando na roubada em que me havia metido.
O resto do tempo era acompanhá-lo aos parques. Levá-lo as festas dos amiguinhos. Nunca soube quem eram os seus pais.Meu trato era com a tia dele, a única responsável da casa.
III
Passaram cinco meses. E meus esforços em busca de um emprego que comportasse as minhas qualidades, se é que assim podem ser chamadas, profissionais, enfim, apareceu. E logo naquela semana em que eu prometera a ele levá-lo ao viveiro de um amigo.
- Olha que vamos ter que deixar esse passeio para depois.
- Por quê?
- Porque estou indo embora. Amanhã será um outro rapaz que virá cuidar de você.
- Não quero outra pessoa.
- Não complique as coisas. Sua tia está se esforçando. E eu sempre que puder virei visitá-lo.
- Mentira. Todos vão embora. Nunca voltam.
- Epa, todos não. Eu vou voltar para vê-lo. Isso eu prometo.
Meu novo emprego começou sem nenhuma novidade. Tudo ali era familiar para mim. E que diabos como eu sentia a falta do Pedro. E agora é que me recordo que nunca o chamei pelo nome. É a primeira vez. No fim de semana seguinte dei uma passada na casa para cumprir com o prometido. E recebi uma notícia que não me agradou muito.
- Sr. Olimpio ele não pode atendê-lo. Está doente. E não recebe visitas. Volte no fim da próxima semana.
E no fim da próxima semana lá estava eu novamente.
- Sr. Olimpio, ele está no jardim.
Dirigi meus olhos para o jardim. E lá estava ele brincando. Enchi-me duma ternura desconhecida.
Os braços dele esticados.
A cara suja de terra e os cabelos repletos de pétalas das flores do jardim.
Ele ainda não havia notado que eu estivera por perto, espiando-o. Quando deu por mim, acenei e ele correu ao meu encontro.
- Sabe sou um beija-flor.
- O quê?
- Um beija-flor. A nova enfermeira me disse que não se prende beija – flor em gaiola. Se não ele morre.
- É mesmo, é?
- É.
E voltou a correr em torno de mim. Esquecido de tudo ao redor, alheado no seu vôo, num céu todo particular.
*Quarto Lugar na Promoção Meus Contos Esquecidos, concurso promovido pelo Portal Literal
I
Na semana seguinte, sem emprego, sem ter onde cair morto aceitei uma ocupação.
- O Senhor cuida de pacientes assim desde quando?
- Desde que me entendo por gente (mentia).
- Então deve ter boas referências.
- Sim,tenho.
Apresentei uma lista de nomes para quem a entrevistadora poderia ligar se quisesse confirmar a minha experiência de longa data. Todos meus amigos que se dispuseram a partilhar da mentira.
- Então você pode começar amanhã.
- Amanhã?!- disse entre chocado e surpreso.
- Sim. Algum problema?
- Não. Está ótimo para mim.
Liguei desesperado para um amigo que é enfermeiro, ele solícito respondeu a todas as minhas perguntas.
- Calma, Olimpio, calma. É só um rapaz, você vai conseguir. Na maioria são uns amores.
- Mas eu nunca cuidei de pessoas especiais antes.
- Calma, meu bem. Não fui eu que meti você nessa. Além do mais o rapaz é asseado pelo que você me disse. E é só levá-lo para passear, cuidar das refeições, sociabilizá-lo.
- Mas, Carlinhos, a única coisa de que cuidei na vida foi de passarinho.
- É quase igual.
Desligou.
II
Na manhã seguinte lá estava eu sentado num dos degraus da porta da casa. Esperando o horário de entrada. E na minha direção aproxima-se um rapaz quase da minha idade, branco, estatura mediana, segurando uma mochila. Um boné virado para trás, as canelas grossas e peludas. Logo atrás dele, a entrevistadora que se revelou tia dele.
- Aí está ele.
- É um rapaz bastante bonito.
- Uma criança. Cuide dele
- O salário. Não falamos dele ainda.
- Será bem pago.
Tomei as mãos do rapaz e juntos subimos pela rua onde ele morava em direção ao ponto onde o motorista nos apanharia para levá-lo ao colégio.
- Tudo bem. Acho que vamos ficar muito tempo convivendo juntos para não nos apresentarmos. Sou Olimpio.
Ele estendeu as mãos, esboçou um sorriso sem graça, num rosto torcido pelo esforço de entender minhas palavras.
- Pedro.
No caminho ficou o tempo todo calado. E eu pensando na roubada em que me havia metido.
O resto do tempo era acompanhá-lo aos parques. Levá-lo as festas dos amiguinhos. Nunca soube quem eram os seus pais.Meu trato era com a tia dele, a única responsável da casa.
III
Passaram cinco meses. E meus esforços em busca de um emprego que comportasse as minhas qualidades, se é que assim podem ser chamadas, profissionais, enfim, apareceu. E logo naquela semana em que eu prometera a ele levá-lo ao viveiro de um amigo.
- Olha que vamos ter que deixar esse passeio para depois.
- Por quê?
- Porque estou indo embora. Amanhã será um outro rapaz que virá cuidar de você.
- Não quero outra pessoa.
- Não complique as coisas. Sua tia está se esforçando. E eu sempre que puder virei visitá-lo.
- Mentira. Todos vão embora. Nunca voltam.
- Epa, todos não. Eu vou voltar para vê-lo. Isso eu prometo.
Meu novo emprego começou sem nenhuma novidade. Tudo ali era familiar para mim. E que diabos como eu sentia a falta do Pedro. E agora é que me recordo que nunca o chamei pelo nome. É a primeira vez. No fim de semana seguinte dei uma passada na casa para cumprir com o prometido. E recebi uma notícia que não me agradou muito.
- Sr. Olimpio ele não pode atendê-lo. Está doente. E não recebe visitas. Volte no fim da próxima semana.
E no fim da próxima semana lá estava eu novamente.
- Sr. Olimpio, ele está no jardim.
Dirigi meus olhos para o jardim. E lá estava ele brincando. Enchi-me duma ternura desconhecida.
Os braços dele esticados.
A cara suja de terra e os cabelos repletos de pétalas das flores do jardim.
Ele ainda não havia notado que eu estivera por perto, espiando-o. Quando deu por mim, acenei e ele correu ao meu encontro.
- Sabe sou um beija-flor.
- O quê?
- Um beija-flor. A nova enfermeira me disse que não se prende beija – flor em gaiola. Se não ele morre.
- É mesmo, é?
- É.
E voltou a correr em torno de mim. Esquecido de tudo ao redor, alheado no seu vôo, num céu todo particular.
*Quarto Lugar na Promoção Meus Contos Esquecidos, concurso promovido pelo Portal Literal
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