AD1 - História Contemporânea I - Nota 9 - Autor: Mariel Reis
O conceito de
nação, longe de um consenso historiográfico, produziu inúmeras definições e
especificidades questionáveis sob a análise de uma perspectiva
histórico-crítica, constatando-se, dentro do debate, vernizes ideológicos
contrários, não apenas em sua natureza – uma de cunho liberal e conservador,
com Anthony D. Smith, cuja premissa “A nação moderna é uma “nação de
massas“, isto é, algo que tende a incluir em sua definição a população em seu
conjunto, o “povo”, entendido como totalidade dos que participam da vida da
nação”, com uma delimitação restritiva dos participantes no soerguimento de tal
conceito; outra, de caráter marxista e progressista, em Eric Hobsbawn,
refletindo a inflexão oposta, o nacionalismo é uma anomalia incômoda ao
marxismo, “internacionalista”,
conforme foi praticado nos países da ex-URSS e seus satélites, conquanto
discordante em contraposição a proposta formulativa de 1848 que preconizava:” O
proletariado de cada país deve, naturalmente, ajustas contas antes de mais nada
com a sua própria burguesia”, palavras do próprio Karl Marx –, como também em
suas finalidades, já que se um viés admite uma perspectiva restritiva e homogênea,
o outro a expande e procura atingir uma heterogenia: “Não há dúvida de que,
para a maioria dos jacobinos, um francês que não falava o francês era suspeito
(...). Mas o que deve ser notado é que, na teoria, não era o uso nativo da
língua francesa que fazia de uma pessoa um francês (...) e sim a disposição de
adotar a língua francesa junto com outras coisas como a liberdade, as leis e as
características comuns do povo livre da França”.
Se à
natureza historiográfica somam-se divergências quanto ao conceito de nação, o
mesmo não se pode dizer quanto ao período histórico apontado como marco de
surgimento dos Estados-nação e sua relação com a Revolução Francesa, em 1789. A
oposição ao Antigo Regime; a concentração de riquezas e de poder em apenas dois
estamentos – a nobreza e o clero -; o achatamento de uma burguesia comercial
ascendente – situada na base da pirâmide social do período, também conhecida
como Terceiro Estado – propiciaram a esta última os elementos necessários para
a sublevação que se processará em 1789 com seus radicalismos (Robespierre)
e equívocos (Napoleão, um novo imperador). No entanto, assomará,
com a crise, a possibilidade de pensamento acerca do nacionalismo, segundo
Anderson, que terá sua origem cultural nessa Europa do século XVIII, com o
declínio do pensamento religioso como forma de explicação do mundo. E a
consequência do desmonte: a desentronização do modus operandi social do Antigo
Regime. Anderson, com a percepção de que os sistemas culturais são fundamentais
para o desenvolvimento do pensamento sobre as origens da consciência nacional,
aponta os meios de construção de uma ideia de nação. Dentro da compreensão do
defendido pelo autor e a desentronização do modus operandi social do
Antigo Regime, os mecanismos para alavancamento passam pelo desbanque do latim
como língua de acesso à verdade ontológica, o impacto da Reforma e a difusão de
um novo vernáculo como instrumento de coalizão administrativa – componentes
desestabilizadores da comunidade imaginada da cristandade, reforçados pela
difusão das línguas impressas que serviram de base para a formação de uma
consciência nacional.
O conceito de
Benedict Anderson, isto é, a comunidade imaginada (conjunto humano organizado dentro de determinado
território, através de trabalho coletivo e laços sociais legitimados por um
conjunto de símbolos compartilhados, experiências vividas e referências comuns)
assemelha-se ao de Ernest Renan e não é uma coincidência. Embora, neste
trabalho, a extrapolação de uma linha comparativa entre ambos justificasse por
si a contribuição francesa – em ambos aspectos: a revolução burguesa e o ensaio
crítico sobre seus desdobramentos –, decididamente, para a conceituação
encontrada em Benedict Anderson. Ernest Renan, historiador francês, escreveu O
que é uma nação?, em 1882. Sua influência se estendeu sobre parte da
intelectualidade brasileira, mais preponderantemente sobre Joaquim Nabuco
quando da escrita do livro autobiográfico Minha Formação.
Complemento
A confrontação de ambos, Ernest Renan e Benedict
Anderson, à primeira vista, sugere um aproveitamento integral da conceituação
de Renan sobre o plebiscito diário diante da paráfrase de Benedict Anderson. A
vontade de criação de laços, de uma identidade e de pertencimento afirmada em
Renan é traduzida integralmente na nova postulação de Anderson, contudo, nesse
último, através da resumida leitura do texto complementar, a violência não
parece elidida da constituição do processo. A vontade, em Ernest Renan, entidade criadora, plasmará o élan que
unirá a todos os homens. O conceito renaniano é repleto de um idealismo
sintetizado numa predisposição inata do indivíduo, em sua comunidade,
identificar-se positivamente e contribuir para o crescimento ou manutenção de
sua nação. No entanto, a conceituação de mutabilidade, fragilidade, vigilância
e trabalho são constantes necessárias à discussão da nação – em processo
contínuo de dinamicidade. E nisto se liga ao repertório de Benedict Anderson
quando invoca as experiências vividas e referências comuns que alteram a
percepção do povo dentro de um território, redirecionando sua consciência
política. Como exemplo, o atentado de 11 de setembro como um marco refundador da
consciência americana. Anderson, acerca da violência elidida por Renan e a
suposta cooperação dos homens em um projeto nacional, prefere, conforme
entendimento das nuanças narrativas, atribuir toda a vontade renaniana a
estratégias das quais participam diversos organismos, enfatizando, para esse
papel, a imprensa. E juntamente a ela, os intelectuais. A concepção de Anderson
está mais próxima, nesse sentido, de uma prática hobbesiana em que os homens
não vivem em cooperação natural prescindindo da instrumentação de um contrato
para ajustá-los em seus termos. O desdobramento teórico de Renan parece
alinhado ao pensamento de Jean-Jacques Rousseau enxergando no homem - essencialmente bom – a vontade de
cooperação.
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