Jim Cluster - versão corrigida
a Karla Melo
A maior parte da infância apontava para dificuldades. O comportamento de Jim impressionava, não conseguia se acertar de modo algum. Na escola não aprendia. As reprimendas em casa não surtiam efeito. Passava a maior parte do tempo escapando das aulas. Roubava os cavalos deixados à beira da estrada. Galopava. Quando decidia abandonar o animal e voltar para casa, encontrava o proprietário e seu pai. Ambos com uma cara de poucos amigos.
Ele me confessou que não há maneira melhor para se aprender a cavalgar.
Conheci Jim Cluster em um bordel. Não que estivesse procurando mulheres. Não estava. Bebia. Defendia que aquele era o melhor lugar para um homem beber. Não faltava era companhia para um uísque ou um carteado. Porque nesses lugares sempre se tem uma mesa onde se pode apostar. Disso ninguém duvidaria. As bebedeiras de Jim se tornaram famosas. As brigas mais famosas ainda. Não havia aquele que não contasse alguma história fantástica a respeito dele. Muitos afirmavam que era um homem sem medo. O que não é bem verdade, segundo o próprio Cluster. Só não gostava de passar por covarde. Também se sentia ofendido quando não acreditavam em suas histórias.
As mulheres em sua maioria o achavam bastante atraente. Vestia-se como um vaqueiro. Era alto. Os cabelos: cor de ferrugem. A cara marcada por duas cicatrizes. Uma delas no lado direito do rosto. Uma bem abaixo do queixo. As pernas compridas. Talvez parte da altura devesse a este bom par de pernas. Calçava botas de couro. Blusão xadrez. Era um vaqueiro. Não andava armado. Não sentia necessidade de revólver. Apesar de algumas encrencas engrossarem um bocado. Nunca precisou. Cluster bebia muito. Não se sabia muito dele por aquelas bandas. Sempre ia para cama com a mesma pequena. Ela também pouco sabia de sua história. Afirmava que ele era rápido em se tratando de servir-se dela. Não se demorava muito em cima de mulher. Aliviava-se.
E logo voltava para o balcão para tomar mais um trago.
Quando o conheci trapaceava em um carteado. Mal a confusão estava feita, ele rapou todo o dinheiro da mesa. Abrigando-se atrás dela contra as garrafas que lhe atiravam. Defendeu-se muito bem. Os restantes dos cavalheiros proibiram-no de jogar ali, valendo dinheiro. Se não quisesse ser morto. O que pareceu justo a Cluster, mesmo que isto o aborrecesse.
O pai não agüentando o modo como vivia, resolveu empregá-lo na fazenda. Jim era o responsável pela alimentação dos animais. Nisso se mostrava atento. Não se percebia descontentamento no rosto dele enquanto executava as ordens dadas pelo pai. O primeiro mês passou rápido demais. Começava a ganhar corpo de homem. As mulheres notavam a diferença. As expectativas daqueles olhares faziam com que estremecesse. Perguntou ao pai sobre o que lhe acontecia. O pai se limitou a responder: "Precisa de mulher".
Ajuntou uns cobres para levá-lo consigo a casa noturna. Teve namoradas. Nenhuma séria. Quando o coração descompassava, Jim não tinha dúvidas. Procurava se aliviar - como um animal - na primeira fêmea com que topasse.
Quando o conheci as confissões não saíam com facilidade com que estão escritas. Ele não controlava o turbilhão de coisas que dizia. Atropeladamente. Como para se livrar. Como para se limpar dos martírios.
Ele beijava o crucifixo que trazia por dentro da camisa. Limpava a boca antes de beijá-lo. Os olhos se incendiavam quando isso acontecia. Não houve homem que mais sofreu. Dizia. E descrevia de um modo bastante particular a via crucis. Se chorava é difícil dizer. Porque não se via seus olhos. Sempre cobertos pela aba do chapéu. Quando falava da parte dos pregos que perfuravam a mão de Nosso Senhor para fixá-lo à cruz, tornava-se sombrio. A voz se alterava. Cuspia. Então o ergueram no monte mais alto. Ali rolou como uma bandeira desfraldada. Puída. Sem serventia.
Aquela noite em particular, ele estava inspirado.Não estava à cata de mulheres. Defendia-se de uma solidão que causava calafrios.
Serei, por acaso, guardião de meu irmão?.
Willie você sabe quanto vale a vida de um homem. Desferiu a pergunta. Doeu como um soco. O que é isso. Não matei ninguém. Eu, não, senhor. Eu mesmo, com minhas próprias mãos, não. Não se trata disso. É que eu vi um homem ser morto. Não me sai da cabeça. Primeiro arrastaram ele para um ponto dentro da mata. Eu vinha pela estrada. A noite começava a se despedir. Uma luz fraca do novo dia arrebentava no horizonte. O homem recolhia os copos. Colocava as cadeiras com as pernas viradas sobre as mesas.
Expulsava os bêbados.
Quando estava a uns trezentos metros. Surgiram três homens. E começaram a acompanhar um dos bêbados. Talvez sejam parentes. Pensei. Um pau d'água. Mais um pau d'água para dar trabalho aos filhos. Não me preocupei. Continuei o meu caminho. Quando um dos homens o empurrou para fora da estrada. Não vi mais o cara. A bebida não estava com o efeito de antes. Moera o sujeito a pancadas. Gritavam. Perguntavam alguma coisa. Eles sempre perguntam. Meu estomago revirava-se. Vomitei uma mistura fedida.
As moedas caíam no balcão. Uma nova dose no copo. Quando seus olhos se levantaram. Depararam com os meus. Perguntou meu nome. Willie. Estou a um bocado de tempo em conversa. E não sei o seu nome.
Willie.
Pagou a bebida. Arrumou a gola da camisa. E saiu.
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