Ainda Sobre a Poesia

Meu contato com a poesia aconteceu muito cedo. Essa precocidade não é indicio de coisa alguma, somente de que me tornei um leitor de poesia com uma idade não recomendável para se iniciar nos perigos que proporciona o gênero tão fascinante quanto cruel. A idade era parte da infância, quando meu pai me deu uma seleta de versos do poeta Camões, que continha parte da lírica. Nesse período se discutia sobre o que pertencia ao bardo português e o que era engodo, em suma não se tinha a certeza de que os sonetos presentes naquele pequeno livrinho poderiam ser atribuídos de fato ao autor das Lusíadas. Lembrando que esse fato estava circunscrito à leitura daquele volume que trazia discussões dessa natureza para uma mente tão tenra quanto ingênua na apreciação daquilo que estava escrito. A Isto entendi de chofre, como diria um amigo português. A dúvida em relação a quem pertenciam os poemas, que centenas de estudiosos se debruçavam para perseguir-lhe as pistas lingüística e semântica – talvez não dessa forma tão clara – sabia que suspeitas recaíam sobre o volume em minhas mãos, mas não me importei.

Aqui no blogue aproveitei esse fato para a construção de um conto – a leitura de Camões como aprendizado para um jovem conquistar uma menina. Não importa isso agora. Falo dessa experiência porque participarei de um evento que focará minha pequena e modesta trajetória existencial que me cobrou algumas memórias em que a escrita estivesse presente e como ela se ligava ao meu desenvolvimento intelectual. Esbocei para os organizadores uma cronologia que invectivava como tal coisa havia ocorrido e pontuei a importância dos festivais de poesia organizados pela instituição da região onde realizava a maior parte de minhas leituras e me inteirava para discussão acerca do assunto com um grupo da Baixada Fluminense. Esse primeiro contato, repleto de misticismo, rodeado de mistérios sobre a realização poética, fundamentou em meu espírito – unido à leitura de poetas de talento inegável – que a poesia é uma arte maior. A prosa nunca se igualará em seu teor, isto por melhor realizada que esteja a um bom poema. Falo isso com pesar porque sou um escritor e não um poeta. A poesia foi uma etapa em minha vida que se extinguiu.

Na Universidade freqüentava muito a biblioteca. Minha vida sempre esteve ligada à elas. No ginásio, no secundário e não seria diferente naquela altura. Na biblioteca do décimo primeiro andar se realizava um evento chamado Versos Diversos, organizado competentemente por uma menina alourada que não me recordo o nome, posso arrisca-lo: Lúcia. Se você, menina alourada, estiver lendo isso e não for Lúcia o seu nome, não me condene. Escreva-me para que eu possa corrigi-lo e dar a minha lembrança à veracidade correta, inclusive nesses pequenos dados. Através desse evento conheci muitos poetas, inclusive alguns que fizeram carreira. Na mesma universidade fui publicado no jornal Comunicando, editado pelo professor Manoel Pinto Ribeiro, levado pelas mãos de uma professora de português chamada Marli Serra – isto se me recordo bem dos nomes, porque sou péssimo com essas coisas.

A universidade me proporcionou coisas maravilhosas. Fora de suas salas de aula. A oficina com Ferreira Gullar foi uma delas. Levei amigos de fora da universidade para assistir as aulas do poeta. Reunidos em uma antologia organizada pelo autor de Poema Sujo, intitulada Próximas Palavras.

Daí para ganhar o mundo não foi difícil. Chegou a vez de ler os poemas no teatro da Candido Mendes, em Ipanema, convidado pela poetisa e editora Helena Ortiz. A noite foi um sucesso. Tenho um caminho ligado tanto a leitura quanto a confecção de poemas, um percurso crivado de autocrítica positiva, reconhecendo quando criei boas coisas e eliminando sem apelação as ruins. Tinha também os longos diálogos com André Ferraz, Maximo Heleno e Luiz França pelos caminhos do CCBB e as intermináveis caminhadas com Jefferson Alves Vieira onde discutíamos tudo. Ali se fundava a humanidade em todos nós. Era um período de folia que a poesia proporcionava e não estávamos desmentidos de que a vida se findaria.

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