Ao Máximo do Desespero

Não tinha reparado, mas quando meu amigo Máximo Heleno decretou que estamos vivendo às pressas não pude de nenhum modo discordar, porque estava diante do óbvio, sem fuga e, portanto sem argumento para me convencer de que todos os eventos estavam em seu tempo certo. Talvez estivéssemos mesmo transgredindo alguma coisa, porque tudo foi tão rápido, você se lembra Máximo? Desde minha estadia em sua casa, ainda em São Gonçalo, com sua primeira mulher e filhos, quando estava dominado por mil demônios e todos sopravam de uma única vez idéias hediondas e fui recebido como igual, sem nenhum tipo de discriminação, com acesso ao calor daquela família e sem qualquer perspectiva pessoal: a não ser a comum dos homens em estado de desesperança: transformar minha vida em evento, em uma apoteose. Discursava sobre isso, inventava maneiras, aumentava o meu talento e sublinhava aquilo que somente se insinuava nos outros como se pudesse regar com minhas palavras lances futuros que regenerariam a minha orfandade.

As paixões eram uma válvula de escape. O estudo intenso de vida dos escritores, de suas virtudes e vicissitudes. A larga discussão a respeito do Mal, porque éramos apaixonados por esse apêndice e investigávamos os livros sobre sua origem e nos despencávamos no abismo de poetas abissais, sem rede de proteção e sem a ambulância no caso do tombo. Ambicionar a imortalidade, feito um esporte que se pratica todas as manhãs. Como se isso pudesse ser arrancado das visitas aos museus, da leitura das obras imortais, arrancado à força da natureza e lançado à cara daqueles que não acreditavam ou mesmo caluniavam essa busco como impossível ou loucura. Tenho reparado que andamos depressa, sim. Tudo em nós tem essa aceleração que quer se partir, arrebentar essa casca de realidade tão frágil.

Quando meu amigo Máximo Heleno me disse isso, sem as meias palavras dos psicanalistas ou o mistério do adivinhos, tudo se iluminou tão estranhamente que resolvi responder aqui, em aberto, que não importa o que façamos, não podemos desarmar a bomba armada no peito de cada homem, ela irá explodir, cedo ou tarde, sem chance de reconciliação nem consigo mesmo ou com o mundo. Portanto, meu caro Máximo, se as pessoas tem nome e sobrenome e cargo e se ainda não gozam de liberdade, se não assassinaram o algoz cruel que se instala no interior delas e não experimentaram o horror e a delícia de si mesmos, posso lhe assegurar que não estão prontas para esse novo tempo em que o homem precisará se equilibrar sobre arames farpados e dobrar sua alma sobre a imensa lona do amanhecer.

Um abraço meu amigo e nada de desespero e infelicidade, porque ambos vem na hora certa. Portanto, não é preciso apressá-los.

Comentários

ideiasaderiva disse…
o que mais me assombra é que este desespero não resulta em ação, muito pelo contrário. claro, estava desesperado, mas também falando do homem moderno, servil, apático, inexpressivo diante das novas barbáries dos novos tempos.

e, loucamente, não temos tempo nem de enlouquecer. cada encontro nosso está limitado entre horários que não podem ser extrapolados. estamos presos. é a responsabilidade adulta. cada encontro é um evento e precisa ser planejado, programado. em breve, para melhor aproveitado, chegaremos com pautas etc.



acredito que as paixões são tudo. são a própria vida e o resto é encheção de linguiça. por isso, no poema em resposta ao seu poema, digo que a vida, intumescida, cabe. digo isto para ingressar na linha pobre, mas valente, dos materialistas, dos homens imediatos, dos homens que não podem esperar o céu de prazeres.

por incrível que pareça, é este desespero, este incômodo, esta incapacidade de aceitar plenamente (mas ainda assim aceitar) que me faz feliz - é a felicidade possível.



para alívio, obriguei o espírito a confraternizar nos bares enquanto homens, sem sentido, degladiam em torno de uma bola, para uma plateia sem sentido. a panaceia tola que alivia os tolos e alimenta a maioria das discussões deste país de tolice.

acrescente a esta imbecilidade, a imbecilidade que são as novelas e teremos o circo moderno.



mas falta pão, meu caro. ainda falta pão.



um abraço e estamos juntos e morrendo-rs.

máximo

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