O Elefante e o Medo do Escuro

A primeira estória, isto na infância, que procuraram incutir na minha cabeça foi a de um elefante medroso. Até hoje, ao certo, não tenho o autor dessa jóia, e , creio, deveria se tratar de um modo para me curar do medo do escuro.


Um dia com uma crise de nervos insuportável, o elefante sai desatinado pela floresta. Depara com uma cabana. Usa a tromba para bater na porta. Toc, toc. Bate mais forte. Ouve uma voz forte, gritando: “Já vai”. O coração aos pulos, as orelhas atentas aos ruídos noturnos, sua chance estava em ficar ao lado daquele pequenino sol brilhando na sala daquela cabana. A porta não abria. Uma aflição fez com que batesse mais uma vez; surgiu um homem no adro da porta. Vestia-se como um caçador. Era um caçador. O elefante não percebera, pediu licença para entrar e se abrigar da escuridão, concedida pelo homem que trazia um gorro vermelho enfiado na cabeça. Dentro da cabana, o elefante se sentiu mais seguro. O caçador resolveu tomar partido do medo do animal, contando, com pormenores, que nem ele próprio estava seguro.
O elefante arregalou os pequenos olhinhos, interrogando como, se ele, o caçador, dispunha de um sol que brilhava dia e noite se quisesse. O caçador, ambicionando as presas do elefante, vendo que eram de um marfim tão puro, decidiu revelar-lhe um segredo. “Sabe, quando sinto muito medo, meu esconderijo é aquele armário”. E apontou. Encaminhou-se até lá, abrindo a porta bem devagar. As panelas mal arrumadas caíram todas pelo assoalho da cabana, fazendo um terrível barulho. “É aqui que me entoco quando o medo é grande demais”. O elefante que tinha o cérebro transtornado pelo pavor, não pensou duas vezes.

As panelas tinham tamanhos diversos. Se aquele homem conseguia se esconder ali, ele, o elefante, também conseguiria. Lutou para caber nos recipientes, e, cada vez mais o caçador contava estórias assombrosas sobre a vida naquele trecho do mato. Desesperado o elefante pediu ajuda para entrar nas panelas. Derrotado, se voltou para o caçador para saber como ele conseguira isto.

A esperteza do caçador fez com que ele retirasse uma de suas pernas - ele a tinha perdido numa luta com um leão – e a colocasse dentro de uma das panelas. Executou de forma tão natural que abismou o elefante. Agora ele se preparava para desencaixar a outra perna, quando foi interrompido. O caçador disse que poderia ajudá-lo, mas que doeria um bocado, mas logo ele poderia se desmontar e montar, isto era uma questão de minutos.

Os restos da estória todos já sabem. O caçador, feliz, recolocou a perna de madeira, apanhou as presas do elefante que estavam sobre a mesa, tocou o sino convocando os aldeões das redondezas, distribuindo a carne de elefante estocada nas panelas.

Comentários

Anônimo disse…
Ótima idéia de se construir estórias sobre um povo tão marcado por tragédias com esta leveza constatada aqui nesses contos. Sem a marca do trágico - que marca boa parte da literatura desta natureza - um leve humour que não é desrespeitoso avança entre lembranças de um narrador que não sabe onde situar-se e como agir no universo de diferenças tão flagrantes. E mais uma coisita, liberar o acesso dos comentários facilitou bastante meu trabalho para escrever no blog.

Silvia Paezzo

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