Meu Tio, O Encantado


Para Danilo, meu tio, o encantado


Quando meu tio enlouqueceu – isto é por volta da década de 80 – ele se aproximou de uma árvore, conversou dez minutos com seus galhos, alisou as folhas dos ramos mais baixos, colou o corpo ao tronco, invocou por nomes estranhos.


Saiu aluado do encontro.

Quando meu tio enlouqueceu – isto é por volta da década de 70 – ele se aproximou do sol, levando uma escova de cabelos, confeccionada em aço, porque não concebia substância melhor para agüentar as temperaturas dos raios solares, apresentou-se ao sol como barbeiro real, e, escovou cem vezes os raios que caiam sobre a terra, as flores e os homens.


Saiu desse encontro siderado.

Quando meu tio enlouqueceu – isto por volta da década de 60 – ele se deitou no longo gramado de uma quinta, fincou os dedos na terra, revirou torrões com as mãos, fixou os olhos longamente nas nuvens, um anjo corria de um lado para outro, brincando de esconder. Ele comprou um par de asas, improvisou uma harpa e partiu para os campos dos céus.


Saiu do encontro enfeitiçado.

Quando meu tio enlouqueceu – isto por volta da década de 50 – ele encolheu-se, morava em uma ervilha, tinha sonhos com animais fantásticos, apanhava carona no vento, murmurava orações que só os anjos entendiam, jogava serpentina num baile particular, em que meu tio se via sempre sozinho. Antes ele não lembrava que existia.


Saiu do encontro encantado.

Comentários

Anônimo disse…
Passei e vi as postagens. Pensei que não iria me interessar, mas decidi ler um pouco. Achei massa!

Felipe, Guaianazes, Sp.

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