Galáxias e Tempestades




Cantos, de Ezra Pound, traduzido por José Lino Grunewald, é um livro que combina uma ambição enciclopédica – a isto refiro a vontade do poeta em dialogar com todas as coisas circunstantes da cultura, ampliando este conceito através das incursões de seus poemas que conjugam fatores que poderiam ser considerados excludentes, neste diálogo totalizador da linguagem, porque assim os ideogramas convivem em perfeita harmonia com signos de outras origens, combinando poder polissêmico e semântico. Nesta tradição, alinhado ao trabalho poundiano, surgem poetas que pretendem uma elaboração absoluta, pondo por terra as barreiras comumente impostas pela cultura quando divide o conhecimento em compartimentos estanques, sem comunicação de seus valores, sem que se possa alinhá-los e descobrir-lhes o ponto comum.

A experiência da poesia contemporânea abandonou esta idéia do absoluto, concentrando-se em um projeto particular da investigação do sujeito, naquilo que se convencionou chamar de eu lírico. Neste exercício, o campo deste eu lírico, a abrangência de repertório individualizou bastante as vozes dos pretendentes ao cargo de poeta, confundindo um tanto a Musa, porque ao contrário daquilo pregado por Camões – Cessa tudo quando a Musa canta – temos agora uma balbúrdia infinita, nem sempre com projetos amadurecidos, enquanto com as mãos nos ouvidos, a Musa, procura distinguir aquilo que quer ouvir e deixando-se seduzir por esse canto.

O intróito é para conduzir a questão da poesia de Marcio- André que mantém linhas de força com autores que primam pela busca desse absoluto, descartado pela geração nova descolada, quanto pela desejo da forma, rearranjando infinitamente os signos, descobrindo-lhes uma música inaudita, às vezes mesmo bárbara para os ouvidos sensíveis. Nestas linhas de força, disputadas pelo trabalho de Marcio André, João Cabral de Melo Neto evidencia sua discreta, mas indelével, marca quando o eu lírico está anestesiado, convocado ou percebido poucas vezes à superfície, obrigando o leitor a arrancar a casca do objeto do poema, acrescido de uma pele inviolável, para tê-lo claramente diante de si. O particular exercício da poiesis, em compassos curtos, mostra a percepção da música cuântica, aprofundando o olhar do artista sobre a natureza, misturando-se ao corpo celestial dos fenômenos, dando o homem como esta impronunciável ausência, a lacuna que a linguagem tenta reparar, preenchendo a realidade descolada das paredes, aquela talvez entrevista por este olho que é o invólucro do ver. Marcio-André persegue o mistério desta queda de uma idade de ouro onde todas as coisas estavam irmanadas.

Outra linha de força desta poesia é o legado poundiano, percebido com o exame de trabalhos anteriores do poeta como também neste Intradoxos, cujo poema enuncia-se, talvez pela insuficiência da linguagem, através da fórmula da origem do vértice, acompanhada pela presença onívora desta boca que é o círculo. Neste poema, hermético, mas não desprovido de significado quando estabelece uma outra medida para se estabelecer uma ponte entre as duas realidades: o mundo e a linguagem, ambos equacionados desta forma, objetos eqüidistantes, onde se é impossível distinguir onde começa um e outro termina. O esforço pela expressão é percebido, a angústia por se transmitir de alguma maneira o espanto, antecipa-se ao artista. Pound é o responsável por esta vontade totalizadora, alguns poemas revelam um enamoro profundo entre a concepção do trabalho poético nos dois artistas, sendo clara a função preceptora de Ezra.

A experiência deste poeta não pode ser ignorada. Definidas as linhas de força, em nossa concepção, da prática deste trabalho com a linguagem de linhas que redimensionam o vazio, Marcio-André procura salvar o homem desta condição de orfandade quando o remodela até o paroxismo, obtendo com o material de que dispõe efeitos de quem não se propõe ficar de fora do time principal, nem como reserva.

Sobre o autor

Márcio-André, carioca nascido em 1978, é autor dos livros Movimento Perpétuo, de 2002, e Cazas, de 2006. É co-fundador, editor e ensaísta da revista de arte e literatura Confraria do Vento, produzida em parceria com o Setor de Pós-graduação em Letras da UFRJ e a editora Confraria do Vento, da qual é também coordenador editorial. Artista multimídia, desenvolve trabalho performático, no qual toca violino e interpreta poesia simultaneamente. Paralelamente desenvolve o projeto Arranjos para Assobio, de texturas poéticas e realidades experimentais, da UFRJ, que, misturando expressão física e oral, projeções, elementos sonoros e cênicos, pesquisa novas formas de leitura da poesia. Em junho de 2007 realizou a Conferência Poético-Radioativa de Pripyat, performance que consistiu em leitura de poemas na cidade fantasma de Chernobyl, na Ucrânia, se tornando "o primeiro poeta radioativo do Brasil". Também fez leituras em Coimbra, Paris, Buenos Aires e Londres.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Iberê

EXERCÍCIO

O caso Alexandre Soares Silva