A Grata Correspondência com Luiz-Olintho Sobre John Fante Trabalha no Esquimó

A grata correspondência com Luiz-Olyntho, escritor e psicanalista, combina sensibilidade e percepção aguda da literatura e seus problemas. Um forte abraço desse seu admirador,


Caro Mariel Reis

Grato por suas palavras, e por sua confiança. Lerei seus contos logo que possível e, se puder, direi algo. Gostei que não tivesse se assustado com a possibilidade da porta dar para a parede; Melville fez disso a riqueza de Bartleby. E também a portas que dão para um jardim: assim começam os Contos de Nárnia.

Se neste entrementes quiser contar-me mais alguma coisa a seu respeito, fique à vontade.

Atenciosamente

Luiz-Olyntho


Caro Mariel Reis

Comecei a ler seu livro. Li até Viagem.

Gostei de sua apresentação. A questão do anonimato. Um tema que sempre me seduziu. Algumas vezes pensei em algum pseudônimo para quando publicasse algum texto que não de Psicanálise. Mas até agora nenhuma editora ou revista se interessou por meus textos. Verdade que também não tenho me dedicado a procurar editora para isso.

Minha filha, que estuda artes e jornalismo, tb. gostou de sua apresentação e encontrou um blog seu na internet. Ainda que rapidamente, vi que começas comentado sobre B.Traven. Achei muito coerente com sua pretensão de anonimato, pois não tenho notícias de ninguém mais anônimo do que ele; será que descobristes quem é (ou foi) ele?

Sobre o que li até agora, devo dizer-te que gostei. Cheguei a marcar uma palavra ou outra em vermelho e logo de ler todo o livro te enviarei: são pontos em que não compreendi a concordância, ou pode ser simples pressa na digitação. Sabes que a crítica literária não é minha especialidade; sou antes um amador (e não desconsidero o elemento ativo do substantivo), e é só desde aí que poderei dizer alguma coisa. Assim, parece-me que o conceito de fluxo de consciência não te é estranho, em muitos de teus contos parece que procedes assim. Neste propósito, devo dizer-te que estou lendo um conto de Katherine Mansfield, Bliss, na tradução de Ana Cristina Cesar, Êxtase. Trata-se de uma tese de Ana C. e ela a abre com uma citação do diário de K.M.. Gostei tanto que vou transcrevê-la:
"Escolhi não apenas o comprimento de cada frase, mas até mesmo o som de cada frase. Escolhi a cadência de cada parágrafo, até conseguir que eles ficassem inteiramente ajustados às frases, criados para elas naquele exato dia e momento. Depois leio o que escrevi em voz alta - inúmeras vezes -, como alguém que estivesse repassando uma peça musical -, tentando chegar cada vez mais perto da expressão perfeita, até lograr alcançá-la por completo."

Que te parece? Mais que com K.M., tenho estado envolvido com Ana C., pois para o sábado estou organizando um seminário com uma colega de Montevidéu que virá falar sobre a Interpretação, desde a poesia de Ana C.

Outra coisa, quando te dissestes carioca, já não me surpreendestes. Havia terminado de ler O silêncio da chuva, de Garcia-Roza, teu conterrâneo, e suas descrições das andanças pelo rio, me ajudaram a reconhecer logo as tuas no John Fante trabalha do Esquimó. E veja só como são as coisas: Esquimó era o apodo pelo qual me conheciam quando adolescente. Neste conto aparece tuas relações bibliográficas, não todas claro, porque de B.Traven não deve ser fácil fazer um 3x4. De qualquer modo, uma homenagem aos teus autores preferidos.

Perdoe-me por parar por aqui. Gostaria de seguir mas o tempo está curto para mim nestes dias. Logo melhorará.

Um abraço, de amigo para amigo

Luiz-Olyntho


Caro Mariel dos Reis

Terminei de ler seu livro. Depois de um longo e tenebroso inverno, um pouco de calma. Na última quinta-feira dei início a uma leitura da Odisséia, de Homero, onde inventei que as mentiras de Odisseu são, de fato, inventadas por seu filho, Telêmaco, necessitado da presença de uma pai forte, conforme à fantasia de Romance Familiar, descrita por Freud. E ontem fiz a primeira de uma série de três leituras sobre O Hamlet de Lacan.

Agora pela manhã, então, li os últimos contos do seu John Fante. Uma amiga, esta sim, crítica, me disse ser desse autor 'Pergunte ao pó'. Eu o lerei assim que puder supondo de antemão, pelo título, que o Hamlet de Shakespeare não lhe será alheio. Mas o seu livro. Gostei imensamente, ainda mais a medida em que os textos foram se sucedendo, como se diz na música, em um crescendo!

Encontrei aí figuras muito bonitas, como esta:
As pálpebras, como velhas portas de armazéns, cismam ainda em estar fechadas.
E os seus diabinhos! Aí está todo o Maleus Maleficarum, com seus íncubus e sucubus. O Labirinto, também, muito interessante. Borges iria gostar. Do livro, como um todo, me parece algo assim, que a carne, quando aparece, dói. Uma visão de mundo?


Como lhe disse na carta anterior, coloquei na cor vermelha algumas coisinhas, conetivos, ou que não entendi bem ou me pareceram faltar [ ]. Peço-lhe que me desculpe por estas intromissões; às vezes as faço mesmo por descuido. Em uma das histórias cheguei mesmo ao despropósito de pensar um outro arranjo para a última frase. Parece que já me alcei ao lugar de colega. Mas enfim, confio que saberá compreender e desculpar.

E quando publicar, me avise, pois desde logo quero desejar ao livro todo o sucesso que ele certamente merece.

Grande abraço

Luiz-Olyntho

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