De Cabeça Baixa - Flávio Izhaki




De Cabeça Baixa
Flávio Izhaki
Ed. Guarda - Chuva
R$ 24,90


A leitura do romance de estréia deste autor carioca pode ser definida como sui generis dentro do campo em que se desenvolve: a ficção contemporânea. Não porque se desgarre por completo das questões abordadas por seus principais autores – João Paulo Cuenca, Cecília Gianetti e Daniel Galera – que trabalham a meta ficção como eixo alternativo a narrativa tradicional – isto é, a realista. Diversificando o modo de leitura deste real através de prismas subversores deste tipo de literatura tão identificada com os elementos narrativos canônicos: intriga, personagens e ação.


Flávio Izhaki paga também o tributo a esta senda aberta por ficcionistas de portes variados – Borges é um ilustre desta galeria – colorindo a seu modo isto que já se poderá chamar de técnica do novo romance neste novo milênio, confeccionada através do jogo intelectual – nisto se avizinhará dos romances policiais; a linguagem elaborada em um registro que comporte tanto a memória artística quanto a literária – cumprindo ambas o traço afetivo do ficcionista, que o embute em ciladas cada vez mais sofisticadas para escapar daquilo que se convencionou chamar de – o mal da narrativa em primeira pessoa.


Felipe Laranjeiras, escritor e professor de literatura, fracassa ao publicar o primeiro romance Desencanto, recebe uma pesada critica que o leva ao auto - exílio em Curitiba. Lá nesta cidade, em um dia chuvoso, percorrendo suas ruas, abriga-se em um sebo onde encontra um exemplar do livro fracassado dedicado formalmente à Ana Maria. Decide-se com isso a buscá-la investigando como já fora aludido a memória que aos poucos se reconstrói – tanto a nível ficcional quanto pessoal deste escritor. Entremeado ao livro de Cabeça Baixa aparecem trechos de Desecanto, duplicando o registro da escrita.

Em De Cabeça Baixa, além das costumeiras evocações a meta ficção, a presença do duplo é tão importante ser ressaltada como método encontrado por Flávio Izhaki para afastar as tentações desta narrativa em primeira pessoa – procedimento feliz quando se especula sobre as possíveis coincidências de parentescos entre ambos que podem ser muitas e também nenhuma. Outro fator que pode ser apontado como desvelo na construção deste duplo é que Felipe Laranjeiras não aparece para anular ou competir com Flávio Izhaki, o suposto autor do romance, ele corre a margem do discurso romaneesco encetado pelo escritor, supondo, ao leitor, ao final da estória, a inconclusão de ambos os romances – tanto o romance fracassado de Laranjeiras quanto o de estréia do autor carioca. Este parece ser o mérito maior na leitura do romance.

A idéia de um romance fantasma me seduziu não para questionar a validade do curto enredo desenvolvido ao longo das páginas, mas, como afirmação dessa matéria translúcida que permite passagem destes outras matérias através da trama do romance. Quanto à confecção do livro não há dúvida quanto ao domínio narrativo e a serenidade na condução dos eventos distribuídos ao longo do livro.


Flávio Izhaki merece especial atenção por ser um trabalhador dedicado tanto dentro quanto fora da literatura, sendo uma de suas marcas a discrição, o quase anonimato com que procura desenvolver suas tarefas, prestigiando a literatura com sua contribuição que a esta altura não pode ser apenas chamada de modesta, contudo, requer ser classificada como seminal.


Trecho

”Houve vezes que poderia ter feito um pouco mais, sido um pouco mais para Luana. Levá-la até a porta do elevador e congelar o sorriso na janelinha até a caixa descer. Não conseguia. Ela sempre via a sensação de perfeição desabar com força maior do que a gravidade. O último olhar nunca levava um sorriso de recordação, e nem o primeiro, quando ela abria os olhos se espreguiçando com o corpo inteiro e o sentia ao lado na cama.
O primeiro sorriso do dia não tinha espelho.
Felipe não conseguia devolver a felicidade sem explicação dos primeiros segundos da manhã.
Houve vezes em que Luana chorou sem motivo, e ele não soube dar um abraço calado, um carinho também sem sentido ou perguntas. Mesmo quando ela disse que ia embora e chorou, ele não disse nada, e isso sintetizou tudo.
As conversas dos dois tinham vozes dissonantes. Começavam em trivialidades, terminavam em discussão sem sentido. No final era tudo sempre o desfecho próximo, a sensação trava-língua do que não dava mais certo, a desesperança de olhar para trás e ver um início promissor, as recordações felizes pululando em retratos e presentinhos, mas que dera errado em algum, vários pontos.”

Sobre o Autor
Flávio Izhaki, 28 anos, jornalista e escritor carioca, participou das antologias: Prosas Cariocas: Uma Nova cartografia do Rio, Ed. Casa da Palavra; Paralelos: 17 Contos da Nova Literatura Brasileira, Ed. Agir; Contos Sobre Tela, Ed. Pinakhoteke. Mantém o blogue : http://decabecabaixa.wordpress.com – homônimo do livro.

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