Por um Estado (ma) terno



‘A disposição dos integrantes das manifestações é a de marcar a História indelevelmente. É a tentativa de correção de um desvio do exercício da vontade do povo, fazendo-o religar-se as instituições que criou para saneá-las, entendendo que se elas existem, deveriam cumprir o papel de protegê-lo (...).’

Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)

O convencimento do povo de que promoverá as reformas necessárias às instituições do país das quais - por motivos variados - afastou-se, parece uma idéia messiânica e assombrosa. E, no entanto, nunca esteve tão próxima. As capitais de todas as cidades brasileiras aderiram aos protestos; as universidades e consulados apóiam os manifestantes; a eloqüência de cem mil pessoas nas ruas; a rendição dos políticos aos fatos de que a sociedade civil reivindica modificações de infra-estrutura social; as palavras como educação, transporte e saúde nunca estiveram tão bem utilizadas em seus contextos. E mais, empregadas pelos atores sociais corretos. Nada parece destoar de uma vontade que, lentamente, se esboça.

O povo segue convencido de que as reformas não tardarão. Os piquetes diante dos palácios dos governos chacoalharão toda inércia acumulada, bastando apenas pressionar cada vez mais os políticos, cercá-los, vencê-los em seu próprio jogo que inclui astúcia, paciência e perícia. Mesmo que tudo a volta pareça desmantelar-se com prisões, abusos policiais, rótulos negativos atribuídos pela imprensa. Mas, como manda o bom senso, é aí que se deve agir com mais força, mais empenho e não se sujeitar as conjunturas, porque a rendição não permitirá que se faça História. E a disposição dos integrantes das manifestações é a de marcá-la indelevelmente.

É a tentativa de correção de um desvio do exercício da vontade do povo, fazendo-o religar-se as instituições que criou para saneá-las, entendendo que se elas existem, deveriam cumprir o papel de protegê-lo e não açoitá-lo. Distinguindo-se da vontade weberiana - maquiavélica em seu monopólio da violência - os manifestantes promovem a ideação de um encontro mais profundo com o Estado, naquilo que intrinsecamente ele significa: a representação da vontade coletiva.

O ensaio de religação do Estado com o povo está nas ruas. A dissociação que havia entre esses dois elementos é uma distorção provocada por uma ideologia perversa manutencionada pelas forças hegemônicas encasteladas no poder que ora chamamos de direita, ora de esquerda. A reeducação desse velho hábito custará não apenas à população, mas também aos políticos, devido a uma antiga e persistente cultura de privilégios - cuja prerrogativa é a de que esses homens não pertencem ao mesmo substrato do que os outros.

Como desenraizá-la se não com uma re-fundação dos princípios democratas? Se não com a remodelagem das instituições das quais estivemos por tanto tempo afastados? Se toda essa movimentação resultar na reformulação desses princípios, será ótimo. E se for apenas um sonho, também terá valido a pena ter investido nele, porque os seus rastros mostram a sua força que, muitas das vezes, é maior que a da própria realidade.

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