Ética jornalística?
‘ A multidão não tem quem a gerencie, não tem empresário que cuide de sua imagem, escolha o seu melhor ângulo para ser focalizado. E sofre com as distorções impostas, quando há - em uma cobertura jornalística - a intenção em transformá-la numa onda assassina ou num tsunami. As câmeras não olham para os lados, miram sempre em frente, vêem apenas os afogados. Quando há tanta gente surfando ou brincando na areia’
Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)
O jornalista Caco Barcelos, repórter da rede Globo, foi impedido da realização da cobertura dos protestos no Largo da Batata, em Pinheiros, São Paulo, sendo hostilizado pelos manifestantes. O jornalista, autor do livro Rota 66, uma reportagem-denúncia sobre um grupo de policiais militares que praticavam assassinatos nas noites paulistas, mostrou-se indignado com a postura dos integrantes do protesto e disse a seguinte frase sobre o que lhe havia acontecido: “Só fui impedido de trabalhar pela ditadura e sob tortura”.
A interdição da cobertura da passeata a um dos maiores repórteres investigativos da tevê brasileira e da maior emissora do país não foi um ato gratuito. O departamento de jornalismo da rede Globo soltou nota em que reitera seu compromisso com o jornalismo sério e imparcial, mostrando os fatos como eles realmente são, sem interferência ou ênfase em um ou em outro aspecto que formaria uma concepção negativa do ocorrido nas ruas. O que não resultou em verdade. A GloboNews, segundo relato de um dos ativistas, durante os eventos acontecidos no Rio de Janeiro, quando um automóvel estacionado nas proximidades da Alerj foi incendiado por radicais que integravam a manifestação, passou cerca dez minutos focalizando apenas o veículo em chamas.
Se o ditado é correto – uma imagem vale mais do que mil palavras – estava lançada ali, pela cobertura isenta e ética do jornalismo televisivo da rede Globo, a opinião sobre os atos das passeatas e de seus manifestantes. A veiculação da imagem do carro em chamas tinha qual intenção? Aproximar a imagem dos manifestantes a de terroristas? Serviria para infundir medo na população para que ela não participasse ativamente dos protestos, engrossando o coro dos descontentes com os desmandos governamentais? Qual a intenção de uma cobertura jornalística que quer identificar manifestantes com indivíduos perigosos?
A maior emissora do país recusa-se a acreditar que as manifestações não saíram de uma de suas novelas, seriados ou minisséries e que não detém mais o monopólio da verdade. Como afirmou o escritor Santiago Nazarian, em seu blog: “O povo que virou classe média e ganhou crédito para comprar tablet, iphone, agora grava as condições do transporte público, da saúde, das escolas, posta nas redes sociais” e emenda “As manifestações dos últimos dias ressaltaram o poder revolucionário da internet. Não há mais um "grande irmão" transmitindo a verdade, não há mais a versão oficial do governo nem de "meios de comunicação de massa". Cada manifestante pode gravar, postar e discutir sua visão pessoal dos acontecimentos. Esse é o lindo efeito colateral da supremacia do consumo.”
O jornalista Caco Barcelos está equivocado relacionando a atitude dos ativistas à ditadura devido ao impedimento da cobertura dos eventos no Largo da Batata, em Pinheiros, São Paulo. Eles mostraram, os manifestantes, através da atitude, que não querem manipulação dos atos praticados, porque esses atos, em sua natureza, já sofrem interpretações ambíguas sem a necessidade da intromissão dos canais de tevê, e pela heterogeneidade daqueles que o integram. A mídia independente, formada pelos batalhões de celulares, tablets e iphones, encarrega-se da correção das versões oficiais forjadas para descaracterizar o esforço dos manifestantes.
Em tempo: o proprietário do automóvel incendiado foi procurado tanto pela direção do Movimento Passe Livre quanto pelo radialista Pedro Augusto, da Rádio Tupi, para o ressarcimento de prejuízos. A própria Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, segundo informações, também foi procurada para a negociação dos estragos realizados pelos atos extremos àquela casa.
Não há censura. Existe apenas o cuidado com a imagem. O que qualquer ator ou atriz faria, quando da contratação, para um comercial. Pediria o contrato, leria as cláusulas e se discordasse, não havendo a possibilidade em alterá-lo, não aceitaria emprestar sua imagem ao produto. A multidão não tem quem a gerencie, não tem empresário que cuide de sua imagem, escolha o seu melhor ângulo para ser focalizado. E sofre com as distorções impostas, quando há - em uma cobertura jornalística - a intenção em transformá-la numa onda assassina ou num tsunami. As câmeras não olham para os lados, miram sempre em frente, vêem apenas os afogados. Quando há tanta gente surfando ou brincando na areia.
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