DUAS VERDADES


“Ronaldo escreveu: "20/06/2013 Subindo a escadaria do metrô da Cinelândia, indo à Lapa encontrar o Dinho Irlim e outros amigos, já 15 para meia-noite, dois rapazes descem a estação esbaforidos e anunciam (talvez seja mesmo essa a palavra perfeita para um conselho que ali parecia meio místico): "Cuidado! Vocês (eu estava junto com Victor Paes) tomem cuidado que a polícia está soltando bomba e dando tiro de borracha em todo mundo!". Nos entreolhamos sem saber bem o porquê de um aviso tão inopinado e que, àquela altura, já era óbvio para todos os que acompanharam a confusão. Os desconhecidos, se completando enquanto falavam, continuaram a reeditar tudo o que já sabíamos até ali:"fuzilaram o Souza Aguiar com mais de 40 manifestantes feridos lá dentro, cercaram a Faculdade de Direito, estão jogando bomba nas portarias em pessoas que descem com filho dos prédios para ver, a Lapa está bloqueada!". Tudo o que disseram nós sabíamos, ou por ver ou por ouvir, já antes das 23h. Mas, de um modo muito impressionante, aquele relato dos rapazes, que era nada mais do mesmo que tínhamos passado pouco antes, nos trouxe algum impacto maior acerca desses eventos que testemunhamos. De alguma maneira estávamos juntos, nós quatro, tomando uma espécie de consciência coletiva do que estávamos passando neste dia confuso e muito rápido para sentir qualquer coisa que não fosse perplexidade. Um dos rapazes então despediu a nossa conversa com chave de ouro: "Esses caras acham que a gente está na ditadura!", e coçou o olho vermelho de gás lacrimogêneo! Era bem a isso mesmo que nos levava essa consciência: "Esses caras acham que a gente está na ditadura!". Esse pensamento subjacente, escavado de nossa consciência por aquele camarada, nos fez parar com muito mal pressentimento e simplesmente voltarmos aos metrô."

Ronaldo Ferrito, escritor



“Democracia não diz respeito apenas à representação política, diz respeito à justiça social, respeito a direitos básicos como educação, saúde, transporte e tudo mais que está na ordem do dia na grande ágora que o país se converteu. Mas diz respeito também à circulação da informação e é aí que está o de aquiles da cobertura de imprensa. A seu modo, pelas vias ideológicas e pelas vias de fato (lúcidas e/ou perigosas), o "desejo sincero de todos" é uma democracia melhor- em qualquer sentido. A grande imprensa, mantendo a lógica do "simplificar para caber", tenta omitir deliberadamente o fato de quem uma das crises de representação popular emana diretamente da maneira como os grandes grupos tradicionais de mídia tratam a informação. Parece que embalam a notícia nos mesmo embrulhos vencidos com os quais vendiam a informação desde há décadas. É como se quisessem falar com um espectador que não existe mais ou que já está fadado à extinção - aquele que não entende direito o que é "esse troço de internet". As "novas tecnologias" ao revolucionarem as formas de produção e circulação da informação deixaram a velha mídia em posição de vulnerabilidade diante dos olhos da opinião pública, sobretudo os mais jovens. Ficou evidente o quanto são "outdoors", veículos de entretenimento e espetacularização que forjam uma realidade artificial para sustentar uma sensação ilusória de "normalidade" que contribui para a manutenção eficiente da "máquina" que as mantém vivas - o grande capital, o mesmo que sequestrou nos últimos anos nossa democracia representativa. Muitos dos manifestantes tem essa visão consolidada, a outra parte pode apenas intuir - mas não trata-se de uma intuição "fraca". O que falta na cobertura da grande imprensa é mostrar que essa fome de democracia também veio questionar a maneira como ela mesma se situa dentro desse sistema complexo e decadente. Ela está na berlinda, como jamais esteve. E o quanto  mais se esforça para fingir que "não está nem aí", mais feia a coisa vai ficando pro seu lado. A rainha está nua.”

Reinaldo Ramos, escritor



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