O que será?



‘A alegria não é vista com bons olhos pelos manifestantes. O riso é encarado com desdém e leviandade, apesar de flagrante a apropriação carnavalizadora dos protestos. Neles estavam unidos o justiceiro mascarado, Batman, e o malandro, Zé Carioca. Lado a lado com estudantes, cidadãos e indivíduos de outras entidades davam uma tônica diferente, menos assustadora que aquela expressada através de cânticos pátrios que transformavam a manifestação em um episódio burlesco de uma parada cívica. Se a crise instalada, atravessa a concepção da República Federativa, por que a exacerbação nacionalista?’

Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)

Existe uma profunda divisão das visões sobre as manifestações e tentar integrá-las sob um viés ideológico e metodológico comum seria o ideal, se a orientação das movimentações no Rio de Janeiro não o identificasse como uma fraqueza concernente ao cartorialismo dos quais os partidos políticos estão repletos e cujos resultados, dentro dessa práxis, ou são nulos ou lentos demais. Os manifestantes têm pressa. Não se sabe exatamente do quê, de quem, por onde e como. Avessos aos programas, não possuem uma cartilha mínima para ser distribuída à população, explicando as razões dos transtornos causados à cidade, impedindo o direito de trânsito nas ruas, justificando a construção do mundo melhor para o desconhecido que segue viagem de carro, ônibus, metrô ou trem e quer chegar à sua casa. Ele acaba levando consigo apenas a imagem da desordem, reforçada por atos tanto de integrantes radicais da manifestação quanto das forças públicas que demonstraram ser incapazes de lidar com fenômenos de multidão.

Sem balizas ideológicas, toda a ação se perde. Os alvos de contestação são eleitos aleatoriamente, contribuindo para uma confusão generalizada, com depredação equivocada e atos que não podem ser denominados de outra maneira, se não de vândalos. Os alvos de contestação deveriam ser as casas que emperram o funcionamento democrático, devido aos conchavos e as mamatas. A eleição de alvos como, por exemplo, a Alerj e a Prefeitura, está de acordo com a linha de ação dos ativistas. Entretanto, esvazia-se de qualquer sentido político a depredação do Terreirão do Samba e o incêndio da cabine da Polícia Militar na Central do Brasil. A não ser que as manifestações estivessem colocadas contra a violência da Polícia Militar contra homens de cor e pobres, ou se a pauta se detivesse sobre as políticas de direito autoral e a indústria fonográfica. O que não justificaria a violência despropositada, mas daria a ela um sentido. Mesmo que a estratégia da simples ocupação do lugar, realizando-se comícios, reunindo artistas independentes, com apresentações e palavras de ordem fosse mais eficaz e, talvez, mais divertida.

A alegria não é vista com bons olhos pelos manifestantes. O riso é encarado com desdém e leviandade, apesar de flagrante a apropriação carnavalizadora dos protestos. Neles estavam unidos o justiceiro mascarado, Batman, e o malandro, Zé Carioca. Lado a lado com estudantes, cidadãos e indivíduos de outras entidades davam uma tônica diferente, menos assustadora que aquela expressada através de cânticos pátrios que transformavam a manifestação em um episódio burlesco de uma parada cívica. Se a crise instalada, atravessa a concepção da República Federativa, por que a exacerbação nacionalista? À festa apenas faltavam os militares. E eles não tardaram a chegar. Os cantos cívicos insuflaram em seus ânimos o desejo de proteção dessa dama fragilíssima – a pátria – contra os detratores de suas instituições. Os desordeiros não levariam a melhor, pensavam, explodindo bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. A dispersão da multidão iniciada, com violência.

Os fatos trazem consigo as próprias advertências. Quando conceitos são generalizados , todos estão convidados a pensá-los de modo unicamente pessoal. E se instala no vazio das conceituações, os desmandos políticos de toda origem, a ascensão de regimes extremados de esquerda ou de direita, que têm idéias perigosas sobre liberdade, seja ela no âmbito individual, coletivo e mesmo sexual. É importante essa reflexão, enquanto há tempo. Depois de efetivado o seqüestro da democracia, não adiantará de mais nada.

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