Cinco Perguntas para José Louzeiro

José Louzeiro é um escritor ágil, atento ao cotidiano violento das capitais brasileiras e um intérprete sagaz das informações daí extraídas. Autor de inúmeros livros, alguns de seus sucessos transformaram-se em filmes de grande bilheteria, podemos destacar dentre eles, Lúcio Flávio – Passageiro da Agonia, com a direção Hector Babenco.

 Sempre de bom humor, ele me recebe para uma pequena entrevista. E nela fala da felicidade de estar em uma nova casa editorial – Prumo – comandada por Luciana Paixão que tem ao seu lado uma lenda do mercado editorial brasileiro Jiro Takahashi, responsável pela publicação de inúmeros autores brasileiros na década de setenta, na editora Ática, através do selo Autores Brasileiros. 

 O escritor  mostrou, ao responder as perguntas,  desembaraço, presença de espírito e ironia. Prometi que voltaria à sua residência para retomarmos nossa conversa, interrompida pelo chamado ao trabalho, a que tive que atender muito a contragosto. Ficou a promessa de um cafezinho mais demorado para uma conversa menos formal.




1. Em sua infância, você tomou contato com tipos marginais. Chegou a afirmar, em entrevista, que quando iniciou a carreira de repórter policial já tinha histórias fantásticas devido ao contato com o universo dos detentos que pavimentavam as ruas de São Luís, Maranhão, sob o comando de seu pai Aproniano. Ali já nascia o escritor José Louzeiro? 

JL: Creio que sim. Conversava muito com eles, principalmente com o que se chamava Manezinho. Deveria puxar dez anos de cadeia por um crime brutal: matou a própria filha, ainda recém-nascida, com menos de um ano. A menininha chorava muito, sempre de madrugada e era ele, sono leve, quem a retirava do berço para acalentá-la. Certa vez sacudiu-a tanto e com tanta força que ela acabou silenciando. Estava morta! Ele não fugiu. Foi à Delegacia, confessou seu crime.



2. O universo retratado pelo escritor José Louzeiro é marcadamente composto pelos excluídos. Desde o início de sua atuação como escritor, vendo os governos com políticas diversas a esse respeito, produzindo até uma reportagem intitulada “Chacina do Rio da Guarda”, sobre a eliminação de população de rua. Como o Sr. vê, hoje, a situação dos descamisados, dos deserdados sociais? Acredita que a política do governo Lula promoveu, de fato, uma reforma social? 

JL: O que eu vi de extraordinário no Governo Lula é que ele, um operário, sem formação cultural nenhuma, comportou-se melhor e com mais dignidade que os intelectuais que já ocuparam o grande posto e pelo zé povão nada fizeram. Basta lembrar que até um débil mental como o Collor de Melo foi presidente deste pobre Brasil. Perto desse maluco o nosso operário Lula comportou-se como um gênio.  

3. José Louzeiro é ou não o santo dos descamisados, dos desprotegidos sociais, dos marginalizados? É ou não um homem que procurou a santificação, ao modo de Genet, na visão sartreana exibida no livro “Saint Genet – Ator e Mártir”, através da observação do mal? 

JL: Eu sou um simples mortal, embora pertença a uma instituição da imortalidade que é a Academia Maranhense de Letras. De outra parte, para garantir a necessária permanência por aqui (antes de mim dona Mundiquinha, minha mãe, perdeu dois filhos) ela e meu pai me nomearam José de Jesus. Dessa forma eu cresci e continuo protegido. Hoje, mesmo instalado numa cadeira de rodas, pois não tenho pernas para andar, nem olho direito para enxergar, com tudo isso não perdi o bom humor e, sendo forte pelo meu sadio lado esquerdo, chego a me considerar um “doente saudável”. 

4. Ao contrário do que é dito na música Haiti, cujos versos “E se o venerável cardeal disser/ que vê tanto espírito no feto /E nenhum no marginal”. O escritor e o homem José Louzeiro vêem a presença do espírito em figuras como Lúcio Flávio. Chega a afirmar que era uma pessoa sensível e inteligente, desafiando o coro dos descontentes e indo contra o pensamento do cardeal. 

Gostaria que você comentasse a respeito de como lidou com os personagens reais de suas histórias como Lúcio Flávio (Passageiro da Agonia), Stuart Angel (Aécio, Em Carne Viva) e Pixote (Fernando Ramos da Silva, Infância dos Mortos).

JL: A afirmação do venerável é conversa pra boi dormir. Junta-se àquela coisa ficcional da santidade, dos milagres, do céu e até do inferno. Ele devia reportar-se às aberrações da Igreja Católica através dos tempos, aberrações essas que se multiplicam. A mais nova é da pedofilia, praticada pelos padres, frades e parceiros. Isso é pecado ou simples sacanagem? Quando, na década de 60, eu estava todos os dias nas redações dos jornais, cheguei a ver fotos do “santo papa” de então, benzendo os canhões de Hitler que pretendia fazer um beneficio para a humanidade: matar todos os judeus e a Igreja Católica comungava com essa heróica tarefa. Depois de tudo que já presenciei, inclusive nos anos da ditadura por aqui, quando muitos colegas meus foram covardemente assassinados, seria uma imbecilidade minha acreditar nessa coisa boba de espíritos, “coração romântico”, céu e inferno. Através dos séculos o Vaticano juntou dólares com a indústria da “fé” e forjou vastíssima história a partir das narrativas bíblicas. Foi aí que surgiu a “realidade dos milagres” e dos castigos por conta do Belzebu, vulgo Satanás. Um detalhe ficou logo estabelecido: os incrédulos, aqueles que não acreditassem na santa Igreja, seriam empurrados para as profundas do Inferno.

Esse cardeal da música Haiti não sabe de nada e muito menos de espíritos. Seria inteligente que ele admitisse que há várias formas de delinqüência. Os poderosos capitalistas conseguem nos roubar, todos os dias, através dos bancos, assim como os padres, na Santa Igreja, violentam covardemente os garotinhos e, depois, penitenciam-se nos altares repletos de santos petrificados de espanto. Essa penitência, como sabemos, não dói. Se eu tivesse poderes políticos ia defender, no Congresso, a abertura de amplo espaço, conforme a doutrina penal, para que os “tarados religiosos” também fossem levados aos tribunais, sentassem nos bancos dos réus, diante dos juízes e, condenados, fossem metidos nas mesmas fétidas prisões onde apodrecem os detentos pobres, os pés de chinelo. Quanto à questão do espírito, deixa prá lá!... Quem manda na nossa pessoa, nosso destino, anseios e até adivinhações, é “São Cérebro”, que não rima com nada e, por isso, quem rouba a cena é o velho coração, eficiente bomba de sangue que, de sacanagem, rima com tudo!

Na bandidagem condenada que conhecemos, só existem pés de chinelo.  Em nenhuma delas, no país inteiro, há pelo menos um banqueiro trancafiado, pois os nossos ricos são todos inocentes e honestos. Desonesto é o pobre, muitas vezes negro, a insistir nessa coisa vulgar de pretender manter-se vivo, quando ganha o salário da morte, mínimo, não tem como alimentar-se direito, raramente compra remédios. Se é metido num hospital, acaba ficando pelos corredores, nas macas, pois não há médicos para atender tanto pobre. 

No ambiente da Justiça do Trabalho a coisa é igual. Se o culpado é negro, foi demitido e não pode pagar um bom advogado, aí  todos os artigos dos Códigos cairão sobre ele, pois é considerado marrento e ainda quer ter direitos, acha injusta sua demissão. Na época da ditadura ele deixaria o Tribunal algemado, por ser considerado comunista.

Lúcio Flávio era “bandido honesto” e tinha o curioso hábito de só roubar seus colegas banqueiros. Por isso, muito me interessou escrever a respeito dele. Depois do livro fiz o roteiro do filme com a colaboração de Jorge Duran, para o longa-metragem que Hector Babenco dirigiu, vendeu muito ingresso pelo Brasil todo, ficou rico, passou a ser um cineasta bem sucedido, deixou de falar comigo. Motivo: medo que eu lhe fizesse merecidas cobranças, o que nunca aconteceu da minha parte.  

5. A Prumo, da editora Luciana Paixão, agora sob o comando de Jiro Takahashi, tem planos de publicar alguns de seus livros. Qual é a sensação de ver, de volta ao mercado editorial, obras de sua autoria como O Estrangulador da Lapa e O Anjo da Fidelidade, por exemplo? 

JL: Não ser esquecido é gratificante. Quando recebi a bela edição do Aracelli, Meu Amor, com o selo da Prumo, juro que me emocionei. Por um momento esqueci da molecagem do Armando Falcão, censurando a primeira edição do livro, para agradar aos assassinos ricos de Vitória, seus amigos, e bajular os ditadores que o empregavam como ministro. Juro que fiquei emocionado. Foi como se o Aracelli, Meu Amor por fim, estivesse sendo lançado por quem entende de editoração – Jiro Takahashi. A ele, aliás, devo um outro livro que ainda muito me emociona; O Anjo da Fidelidade, biografia do grande negro (mais de 2 metros de altura), chamado Gregório Fortunato que o esperto Getúlio transformou em escravo e pouco ou nada fez por sua família. Gregório foi morto a punhaladas, pelas costas, por outro prisioneiro, dentro da penitenciária Frei Caneca, no Rio de Janeiro. Seu grande inimigo chamava-se Carlos Lacerda, dono do vespertino “tribuna da Imprensa”. Foi feita investigação criteriosa para esclarecer o assassinato? NÃO!... O prisioneiro era preto!...A solidariedade só aconteceria no cemitério, no Rio Grande do Sul, onde Gregório está enterrado perto da sepultura do GG, como se continuasse sendo seu eterno Anjo da Guarda. 


Entrevista realizada em 08/06/2013
Finalizada em 10/06/2013 com a transcrição do conteúdo.

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