Orelha para o livro, já lançado, Tiros, de Francisco Slade, publicado pela editora Oito e Meio:

A literatura brasileira contemporânea está infestada por antologias. E cada uma delas reflete o gosto do antologiador. Não será novidade se me aproximar desse território para elencar as vozes que me pareçam mais adequadas ao cenário atual das letras nacionais, sem que isso fira suscetibilidades ou provoque polêmicas infundadas. A literatura brasileira, com sua qualidade narrativa, poderá formar, sem desdouro, centenas de tomos com florilégios literários sem afetar aquilo que chamamos de corpus em gestação entregue aos novos escritores que tratam de reinventá-la em busca de um novo caminho. Entre as muitas vozes presentes na literatura brasileira contemporânea, algumas são tão singulares que nos causam surpresas. 

 Francisco Slade é uma das surpresas a que me refiro. Ele não está sozinho, é certo. E responsabilizá-lo pelo que de melhor tem produzido a prosa brasileira contemporânea não é exagero. Pode-se para atestar o que digo apelar-se para seu romance Domingo., ou voltar-se para a antologia Paralelos e lá se deparar com a narrativa “Goteira”, que doravante passa a integrar esse volume de contos, Tiros. Isto se estivermos com nossa atenção voltada à produção literária do autor. Outra característica peculiar é o caminho solitário percorrido dentro das letras nacionais que funda tantos clubes, igrejas e companhias de viagens. Ele permanece fiel a si mesmo e ao trabalho literário, sem dar valor extremo às exterioridades. Digo valor extremo, porque, num tempo, em que o escritor precisa desdobrar-se para alcançar seu público, não se pode dar às costas ao espetáculo. Todavia, não é um refém disto: tornar-se um BBB da literatura nacional.

Tiros, volume de contos, saído por esta editora, não precisaria de minha apresentação, porque fala por si mesmo. Slade constrói com fluidez espaços narrativos intrigantes, sugestivos e psiquicamente perturbadores. É um narrador seguro, com uma prosa cristalina, tratando a língua como formosa dama, embriagado por sua sensualidade e perfume. Aqui dentro você irá se deparar com “Bebop”, “O Pródigo” e “A Velha Arte”. Nesse quadrivium está armada toda capacidade desse escritor com tantos predicados que não necessita que ninguém lhe escreva o cartão de visitas. Eu, teimoso, insisto em tomar pela mão o leitor e tocá-lo para dentro do livro, dando-lhe o ingresso para um mundo esteticamente superior e profundamente tocante - como deveria ser qualquer realidade. Contudo, precisamos de escritores como Francisco Slade para recriá-la e nos presentear com aquilo captado pelo seu olhar, inundado pelo intrinsecamente significativo.



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