CIDADE MARAVILHA PURGATÓRIO DA BELEZA E DO CAOS
Trecho de correspondência entre minha mulher, Aurea e Diego Reis, amigo comum do casal.
"Com a Globo, me apavorei. Wagner Montes e programas sensacionalistas passando a operação ao vivo, é de praxe. Mas a Globo parar tudo, até novela, e dispensar o lucro das propagandas para mostrar "Tropa de Elite 3, ao vivo, sem ensaios e sem cortes" é pq a coisa está muito grave mesmo.
Estava aqui, tentando trabalhar ou estudar ou torcer para que tudo desse certo. Ou querendo sair daqui e virar a super Aurea e defender Mariel dos perigos vespertinos e madrugosos de Copacabana, ou correr para casa e abraçar o eu cachorro e me esconder debaixo da cama. Ou atirar em todos os bandidos da cidade para recuperar o meu direito milenar de cruzar a província e poder beijar e abraçar a minha filha, ajudá-la a fazer o dever de casa (como faço pelo menos 4 vezes por semana). Ou processar o Estado por deixar a cidade ficar nesta situação e atrapalhar o andamento do ano escolar de Isabelle (às duas da tarde a escola ligou pra dispensar os alunos pq às empresas de ônibus estavam recolhendo os coletivos e as professoras não iam conseguir voltar para casa). E como cidadã, eu me senti impotente e nostálgica.
Impotente pq não podia fazer nada. Não sou super heroína. Não sou senhora de meu tempo. Também pegaria um buzu para casa, que correria risco de incêndio como todos os outros da cidade. Não tenho peito de aço para passar pela Brasil e saber que chegaria incólume. Em meio ao caos, não tenho condições de proteger as pessoas que eu amo, a não ser por telefonemas solicitando para que tenham cuidado: Enrico, vizinho do Alemão; Verônica, vizinha do Cajueiro; Celinha, vizinha da linha amarela; vc e sua Odisséia diária pela cidade sitiada... Martins, cujo telefone (segundo a Telefônica) não existe...
Nostálgica pq quando eu era criança não existia isso de não ter aula pq a cidade está em guerra civil e os ônibus que levam os trabalhadores deixaram de circular. Era um Rio digno, e que ao que tudo indica, minha filha não usufruirá.
Aqui no trabalho, as pessoas que moram próximas às áreas de conflito foram dispensadas às 16 horas. Eu não moro, deveria sair às 20h, mas fiquei com medo da noite de uma cidade deserta. Às 17:30 eu me liberei. E fui pra casa. No caminho, vi o terror nos olhos das pessoas, na postura apreensiva. No trânsito caótico pq todos os veículos convergiam para qualquer brecha que se formasse, mesmo que o trânsito adiante estivesse livre. Mais tarde, já com o ônibus incendiado na Vargas, venci o medo de sair de casa para ir ao nosso KFC (aquele onde todos os Reis se reúnem depois de um passeio pelo Museu da República com seus príncipes). Ia comprar a janta do Mariel. Em frente ao restaurante havia um carro de polícia parado e um policial a paisana montava guarda na calçada, com um armamento pesado em mãos, andando tensamente para um lado e outro, apontando para quem se aproximava.
A paisana, Diego!!!! Poderia ser qualquer um, de qualquer lado. A postura neurótica, a gente geralmente atribui ao despreparo, aos amadores, a quem não tem treinamento e técnica repassados pelo Estado, ou está alterado pelo uso de substâncias ilícitas, ou seja: ao outro lado. A minha primeira reação foi dar meia volta e retornar para casa de mãos vazias. Isso passou por um átimo pela minha cabeça. Na mesma hora, graças aos céus, lembrei que Mariel além de passar o dia apreensivo com o caos da cidade ainda estava trabalhando pesado desde cedo, e assim iria adentrar a madrugada. Tem dias em que o leilão não permite que ele almoce, e ele já não toma o café da manhã, então...
Por amor, me enchi de coragem. Passei pelo obstáculo. Lá dentro encontrei um gerente tão apavorado quanto eu, dizendo que ia fechar o restaurante mais cedo não pelo caos, mas por conta do agente da lei que - aparentemente transtornado - às vezes apontava o armamento para dentro da loja. Tudo isso às 21h. Normalmente o expediente deles é até as 23h.
Quinta feira à noite, e a Lapa estava vazia. Cheguei às 21:15 em casa, via buzu, e sem transtornos. Para acompanhar o caos através do noticiário e me apavorar ainda mais.
Amanhã vou fazer prova na UERJ, colada com a Mangueira. Vou com medo. Domingo, o dia inteiro, tem mais. E no Rio Comprido, onde as coisas nunca foram muito calmas, e o caminho é repleto de comunidades que gostam de "protestar" com ou sem motivo. Este foi um dos fatores que me levaram a largar a faculdade de jornalismo. Estudava lá, e aos 7 meses e tal de gravidez - com um barrigaço de quase 12 - tive que me esconder DEBAIXO DO BANCO DO ÔNIBUS - durante um tiroteio na volta para casa. Incrível, Diego, é que eu coube!!! rsrsrs Enfim, vai ser uma prova de fé em Deus e de vontade de habitar o "Nosso Lar", despreendimento da matéria, crença no mundo espiritual, etc... rsrsrs
E vc e a doce Dri, onde estavam durante a confusão????
Melhoras para a minha irmã emprestada e beijs estalados para Igor, o fofo!!!
Pelamordedeus, cuidem-se todos!!!
Aurea"
Estava aqui, tentando trabalhar ou estudar ou torcer para que tudo desse certo. Ou querendo sair daqui e virar a super Aurea e defender Mariel dos perigos vespertinos e madrugosos de Copacabana, ou correr para casa e abraçar o eu cachorro e me esconder debaixo da cama. Ou atirar em todos os bandidos da cidade para recuperar o meu direito milenar de cruzar a província e poder beijar e abraçar a minha filha, ajudá-la a fazer o dever de casa (como faço pelo menos 4 vezes por semana). Ou processar o Estado por deixar a cidade ficar nesta situação e atrapalhar o andamento do ano escolar de Isabelle (às duas da tarde a escola ligou pra dispensar os alunos pq às empresas de ônibus estavam recolhendo os coletivos e as professoras não iam conseguir voltar para casa). E como cidadã, eu me senti impotente e nostálgica.
Impotente pq não podia fazer nada. Não sou super heroína. Não sou senhora de meu tempo. Também pegaria um buzu para casa, que correria risco de incêndio como todos os outros da cidade. Não tenho peito de aço para passar pela Brasil e saber que chegaria incólume. Em meio ao caos, não tenho condições de proteger as pessoas que eu amo, a não ser por telefonemas solicitando para que tenham cuidado: Enrico, vizinho do Alemão; Verônica, vizinha do Cajueiro; Celinha, vizinha da linha amarela; vc e sua Odisséia diária pela cidade sitiada... Martins, cujo telefone (segundo a Telefônica) não existe...
Nostálgica pq quando eu era criança não existia isso de não ter aula pq a cidade está em guerra civil e os ônibus que levam os trabalhadores deixaram de circular. Era um Rio digno, e que ao que tudo indica, minha filha não usufruirá.
Aqui no trabalho, as pessoas que moram próximas às áreas de conflito foram dispensadas às 16 horas. Eu não moro, deveria sair às 20h, mas fiquei com medo da noite de uma cidade deserta. Às 17:30 eu me liberei. E fui pra casa. No caminho, vi o terror nos olhos das pessoas, na postura apreensiva. No trânsito caótico pq todos os veículos convergiam para qualquer brecha que se formasse, mesmo que o trânsito adiante estivesse livre. Mais tarde, já com o ônibus incendiado na Vargas, venci o medo de sair de casa para ir ao nosso KFC (aquele onde todos os Reis se reúnem depois de um passeio pelo Museu da República com seus príncipes). Ia comprar a janta do Mariel. Em frente ao restaurante havia um carro de polícia parado e um policial a paisana montava guarda na calçada, com um armamento pesado em mãos, andando tensamente para um lado e outro, apontando para quem se aproximava.
A paisana, Diego!!!! Poderia ser qualquer um, de qualquer lado. A postura neurótica, a gente geralmente atribui ao despreparo, aos amadores, a quem não tem treinamento e técnica repassados pelo Estado, ou está alterado pelo uso de substâncias ilícitas, ou seja: ao outro lado. A minha primeira reação foi dar meia volta e retornar para casa de mãos vazias. Isso passou por um átimo pela minha cabeça. Na mesma hora, graças aos céus, lembrei que Mariel além de passar o dia apreensivo com o caos da cidade ainda estava trabalhando pesado desde cedo, e assim iria adentrar a madrugada. Tem dias em que o leilão não permite que ele almoce, e ele já não toma o café da manhã, então...
Por amor, me enchi de coragem. Passei pelo obstáculo. Lá dentro encontrei um gerente tão apavorado quanto eu, dizendo que ia fechar o restaurante mais cedo não pelo caos, mas por conta do agente da lei que - aparentemente transtornado - às vezes apontava o armamento para dentro da loja. Tudo isso às 21h. Normalmente o expediente deles é até as 23h.
Quinta feira à noite, e a Lapa estava vazia. Cheguei às 21:15 em casa, via buzu, e sem transtornos. Para acompanhar o caos através do noticiário e me apavorar ainda mais.
Amanhã vou fazer prova na UERJ, colada com a Mangueira. Vou com medo. Domingo, o dia inteiro, tem mais. E no Rio Comprido, onde as coisas nunca foram muito calmas, e o caminho é repleto de comunidades que gostam de "protestar" com ou sem motivo. Este foi um dos fatores que me levaram a largar a faculdade de jornalismo. Estudava lá, e aos 7 meses e tal de gravidez - com um barrigaço de quase 12 - tive que me esconder DEBAIXO DO BANCO DO ÔNIBUS - durante um tiroteio na volta para casa. Incrível, Diego, é que eu coube!!! rsrsrs Enfim, vai ser uma prova de fé em Deus e de vontade de habitar o "Nosso Lar", despreendimento da matéria, crença no mundo espiritual, etc... rsrsrs
E vc e a doce Dri, onde estavam durante a confusão????
Melhoras para a minha irmã emprestada e beijs estalados para Igor, o fofo!!!
Pelamordedeus, cuidem-se todos!!!
Aurea"
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