Para Zélia e Jorge Amado


O redemoinho subia, levantando do chão: poeira, folhas e restos de papéis. Chegava à altura de uma pessoa que tivesse seus um metro e setenta, percorria o caminho do jardim como se caminhasse para se aquietar junto do tronco grosso de uma jaqueira frondosa, perto de um banco decorado com caquinhos de azulejos coloridos. Era como se sentasse à sombra da árvore, descansando do percurso. Logo desaparecia, levando consigo as impressões do ambiente, para ressurgir no dia seguinte com o mesmo comportamento.

- Jorge é você – Zélia sussurrava.

A copa das árvores se mexia.

- Jorge não fique de brincadeiras – ralhava ela – apareça! Os meninos estão dormindo. Pedia Zélia.

- Sabe o que eu soube? Vou lhe dar a notícia em primeira mão: eu também estou indo. E quero segurar em suas mãos para fazer a travessia. Vê pára quieto e me escuta seu pé de vento danado.

Zélia notou o redemoinho parar. As flores recendiam um cheiro adocicado. Então, detrás da jaqueira, saí Jorge como se estivesse ali o tempo todo. O camisão florido, a bermuda e as sandálias. O pequeno chapéu escondendo o rosto.

-Zélia você está bonita. Vamos namorar um pouco?

Pegou as mãos de sua mulher e refez o caminho marcado com lajotas sobre a grama.

-Jorge me conta é bonito lá?

- Só é bonito quando posso espiar você.

-Você não se faça de bobo. Viu algum anjo? Conversou com alguém?

-Não, isso eu não fiz. Encontrei o Carybé que mandou lembranças.

Zélia riu.

-Esse arruaceiro! O que não deve estar aprontando, hein.

-Zélia eu não quero nunca sair desse jardim.

Abraçaram-se.

Paloma acordou para beber água. Verificou aberto o quarto da mãe. Ela deve ter ido dar umas voltas no jardim, pensou. Aproximou-se da janela para certificar-se, vendo a mãe sentada ao banco como sempre fazia quando tinha saudades do pai. Sentiu um aperto no coração. As lágrimas vieram à borda dos olhos, conteve-se.

-Ih, Paloma está na janela.

-Jorge, não é possível!

-Olhe, então. Deve ter acordado para beber água.

Zélia acenou para a filha.

Recebeu a brisa noturna com o aroma próximo do alvorecer. A madrugada se despedia. A conversa feita de silêncio e gesto não se deixava aprisionar com as palavras por melhores arranjadas que estivessem.

-Recebi ontem uma carta para você.

-Para mim? E quem é que escreve para um morto?

-É de um rapaz do Rio. Tomei a liberdade de responder e assinar com seu nome.

-O que dizia?

-Ah, ele quer ser escritor, mandou até um conto anexado à carta.

-Era bom?

Zélia falou acerca do futuro do escritor principiante, de sua esperança que um dia ele conseguisse uma boa editora, etc...

- Jorge eu tenho medo.

-Zélia, medo de quê, mulher. Não há nada para se temer aqui. Só há música e paz. As únicas arengas é o Carybé com um grupo de anjos baderneiros é que apronta. O síndico reclama, mas há promessas de um bloco para eternidade que vem. Então vai ter bastante animação. Não se preocupe. Vou sempre estar por perto.

A luz do dia se infiltrava no horizonte como um filete de água rubra correndo pela borda do mundo, transbordando calor.

-É hora de ir.

*
Paloma se encaminhou com o pote de cinzas para o jardim. O óculo escuro não permitia ver os seus olhos, mas chorava. Despejou junto das flores o seu conteúdo inteiro pelos canteiros. Depois subiu para descansar.

À noite, quando se levantou para beber água, viu dois redemoinhos no caminho do jardim. Não sabe porquê sentiu algo familiar por aqueles pés de ventos. E como não comandasse mais o corpo, ela não sabe por que acenou para os dois.

Lá embaixo Jorge e Zélia sorriram.

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