Primeira resenha sobre o Livro VIDA CACHORRA
VIDA CACHORRA
Por que vida cachorra? Por que não "vida de cachorro", que é o que se usava para designar uma vida perdida, de fome, de abandono e solidão? De ataques perversos, às vezes, sem razão aparente. Vida de quem anda na rua, sem lugar certo, sem saber de amanhã.
É que os tempos mudaram muito. A vida de cachorro agora é luxo. Já a vida cachorra significa ainda menos, que ela foi rebaixada para o gênero feminino, onde se destaca mais o que é viver com a força do nada, pensando em coisas que não são próprias, deixando-se levar apenas pelos acontecimentos, que é o que acontece hoje com as mulheres.
As cachorronas aceitam seu papel. Não o discutem e vão até as últimas consequências.
Mas um dia a casa cai : incesto, aborto, despejo, expulsão, alcoolismo, prostituição - a tragédia usual de milhões de janaínas, suelis, e suellens.
Os homens também sofrem, os pobres homens pobres. Uns são jogadores de futebol. Elas são as mulheresquequeremcasarcomumjogadordefutebol.
Tudo isso é para falar do livro de Mariel Reis, VIDA CACHORRA. Será que a vida ainda tem lugar para a ficção? Em Mariel, tem. Trata-se de um escritor de verdade, salvo pela literatura, a quem corresponde igualmente, uma vez que é também seu dedicado divulgador. Lê tudo, comenta tudo, faz contatos e cria laços. Grande leitor, escritor inquieto e talentoso, Mariel está aí tomando lugar, com honra, entre os novos contistas brasileiros. Desde Linha de Recuo, de 2006 a John Fante trabalha no esquimó, de 2008, trabalha sem parar. O resultado vem. Os 12 contos de Vida Cachorra são tacadas difíceis de aguentar. Vê-se logo que as feridas são feias. Há que suportá-las e ir em frente, ou entregar-se. Mas os personagens de Mariel se entregam por paixão e deixam sangrar.
Depois de publicar uma série de poemas na plaquete Cosmorama, em 2009, surpreendentes poemas que produziu num espaço curto de tempo, poemas que chegavam em sonho, ele escrevia e mandava para os mais chegados, Mariel volta, agora, aos contos, seu gênero preferido, com o texto mais firme, mais enxuto. As palavras precisas, as falas absolutas. Não há lugar para sobras e gordurinhas. Escrita resoluta, sem vacilos, de quem perdeu todo o medo. Aprendeu na luta. E há diferença entre Dalton Trevisan, Marcelino Freire ou Rubem Fonseca, de quem Mariel traz referências e influências. É que ele sabe por dentro do que está falando.
Aí está. Essa opinião não é só minha, eu acho, porque o livro vendeu bem no lançamento, num sinal evidente de que a qualidade do autor já se alastrou. E que siga!
Helena Ortiz é escritora, poeta, editora e ativista pela descriminalização do uso da maconha. Publica regularmente em http://integradaemarginal.blogspot.com
Fonte: http://integradaemarginal.blogspot.com/2011/02/vida-cachorra.html
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