O Caso Pancetti.





Manuel Bandeira em uma crônica do livro Colóquio Unilateralmente Sentimental, comenta a respeito sobre a vontade de ter um quadro do pintor José Pancetti, a oportunidade se apresentaria através de uma troca com o amigo João Condé – dos Arquivos Implacáveis – que já estava de olho em um retrato do poeta pernambucano realizado por Cândido Portinari. Enfim, Manuel Bandeira se decidiu ao escambo, optando por uma Marinha, da série de pinturas feitas no estado da Bahia, exatamente Itapoã. A decisão pesou-lhe muito, porque sabia que financeiramente estava em desvantagem, porque se recebia a marinha dava em troca seu retrato, mas observava que por se tratar do amigo que era e por não desejar mais topar consigo tantas vezes em sua residência, livrou-se de um dos retratos do pintor de Brodowski,ficando com o outro, porque possuía duas obras: uma com óculos e outra sem. Libertando-se desta última.

O poeta da Estrela da Manhã comunica-nos o assombro estético causado pela pintura de Pancetti, aponta-nos a sua pureza e mesmo certa ingenuidade na concepção das pinturas dessa fase, mas alerta com esta observação para um aspecto preocupante em relação a confecção dos futuros trabalhos do artista. A arte brasileira, isto em se separando os artistas iconográficos, não apresenta em sua essência um cuidado com a composição. A composição, se existe, é produto de uma disposição interior, sem a racionalidade exigida pelo trabalho em execução, sem a ligação entre os elementos que estarão interligados, talvez daí se depreenda a análise do poeta Manuel Bandeira quando frisa certa ingenuidade nas pinturas da década de 50/60 de Pancetti. Mas, observando atentamente, estas obras tem um acabamento fino, com noções claras sobre desenho, mostrando o desacerto do comentário.

Hoje nas obras que infestam o mercado de arte do mesmo pintor, podemos acolher em um aspecto a opinião do poeta pernambucano a respeito do temperamento estilístico do artista, que se pode variar, levando-se em conta a necessidade de aperfeiçoamento técnico, esta variação seria para melhor, apontando um novo horizonte estético para a obra. A respeito disso não podemos deixar de notar que se o temperamento artístico do pintor deve ser incitado, se nele a sua disposição interior se interessar pelo cadinho de eternidade que acena para cada artista, isso nos conduziria para a seguinte afirmação que o resultado estético do pintor, após a década referida, seria um produto apurado de suas pesquisas, intervenções e curiosidade com aquilo que se passa no cenário da arte contemporânea. Com isto não afirmo que desejo um apuro classicista nas linhas ou em sua composição, mas que o efeito “estetizante” seja capaz de paralisar o espectador.

As obras de Pancetti, quando a isto me refiro, desejo apenas salientar a diferença de temperamento na execução de marinhas, como a aludida na troca de João Condé com Manuel Bandeira, a estas que inundam hoje o mercado, como se comportaria o cronista do Itinerário de Pasárgada se recebesse em troca pelo seu retrato a representação anêmica da maioria das pinturas hoje atribuídas ao pintor José Pancetti? Creio que a intenção de João Condé naufragaria, chegando a frustração a arranhar a superfície daquela amizade nordestina.




Acredito em ótimos artistas que com o tempo não mantém o vigor interior, desbotando a paisagem que o motivou a ser pintor, enfraquecendo as características que o diferenciavam, dando-lhe uma identidade. Mas o que será que aconteceu com José Pancetti? É possível que essa disposição interior tenha desaparecido tão completamente que ele mesmo se desconhecesse naquilo que pintava? Será que de próprio restava apenas nos quadros a sua assinatura indicando que ele era o pintor e não outro? Porque os críticos de arte não se manifestam? Que tipo de acordo mantém com o mercado de arte? Não é somente com Pancetti que isto acontece, mas é ele o exemplo mais flagrante de duas hipóteses: ou é um autor que se auto-mediocrizou ou é um artista vilipendiado? A conclusão para esta pergunta levará muito tempo para obter uma resposta definitiva.

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