Mário Lago, Graciliano Ramos e Relatos Prisionais




O meu contato com a obra de Mário Lago - o escritor - se deu através das discussões no Amarelinho da Glória com meus amigos Antônio Dutra e Vinicius Jatobá. Naquele dia falávamos de livros que poderiam ser adotados sem nenhum problema para leitura entre os brasileiros; livros ágeis, com fundo histórico, repletos de mordacidade e escritos de modo elegante. Foi nesse contexto que surgiu o nome de Mário Lago.




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A reedição de sua obra mais famosa Reminiscências do Sol Quadrado pela editora Cosac & Naify intensificou nossa conversa por constatarmos que a literatura brasileira poderia mesclar instantes dolorosíssimos a momentos de riso, bom humor e observações finas sobre o cotidiano em uma prisão governamental.






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Nisto o livro estava precedido de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Fizemos considerações a respeito, isto se levando em conta os projetos de ambos, tanto de Lago quanto de Ramos; frisamos os pontos comuns e a diferença da presença do humor nas narrativas, sendo Graciliano um homem mais sisudo, tornando sua passagem pela detenção uma jornada quase heróica, sem a marca do patético.


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Talvez quisesse o mestre de Vidas Secas igualar o feito de outro, o russo, de Recordações da Casa dos Mortos. Ou estivesse suficientemente empenhado em tomar o lugar de Jorge Amado no Partido Comunista, escrevendo uma obra de fôlego, mostrando o equívoco da escolha deste para ocupar o lugar de escritor do partido e a seriedade combinava mais com tipos assim. E, afinal, apelamos que poderia ser mesmo questão de temperamento, do autor de São Bernardo.



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Não esquecíamos de que Mário Lago também militava no Partido. Arriscamos que existia na obra deste uma dicção brasileira, enquanto que em Graciliano Ramos, preponderava influência de autores europeus, talvez mesmo da Cortina de Ferro, enrijecendo a voz narrativa, evitando a estética fluida, que já impregnava Lago pela sua aproximação com a música.






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Talvez aludíssemos a isto como o modo brasileiro de narrar, ou melhor, desviando-nos de generalizações, uma maneira carioca de observar o cotidiano, cheio de picardia, deboche e bom humor. Apontamos, como responsável por isso, a tropicalização acentuada de nossa região, a litoraneidade do entorno e a certa espontaneidade da classe média em dialogar com outros setores da sociedade.






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Conversávamos tudo isso, apontando os fatores sem pretensão de construirmos um ensaio informal sobre esses dois escritores, levando-se em conta suas ações e o ineditismo da comparação, porque sabíamos que muitos torceriam o nariz se topassem com algo escrito a respeito sobre as abordagens narrativas de um mesmo mundo literário: o da reclusão em uma cela.






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Nesse período não eram comuns as narrativas a esse respeito do mundo prisional - como hoje pululam em todo caderno literário - operando de modo diverso a elaboração desse universo, já esvaziado das questões políticas da Guerra Fria, das ideologias discrepantes que ambicionavam amalgamarem-se como os comunistas aos cristãos e outros bichos.





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Portanto, ao leitor que me visitar, fica a dica desse autor de talento múltiplo, Mário Lago, que escreveu Reminiscências do Sol Quadrado, publicado em 79 e reeditado pela Cosac & Naify, anteriormente precedido pelo livro embrião dessa aventura literária, entitulado 1º de Abril – Estórias para a História.

Comentários

Marcelo Moutinho disse…
E Mário era ainda um ótimo letrista e um grande tricolor!

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