De Mal com o Mundo

Dedicado a Aurea

Meu amor acordou irritado. Os chinelos apertavam demais os pequeninos pés, remancheava uma mecha do cabelo, porque estava uma palha, precisava urgente de cabeleireira e manicure, máscara anti-rugas, depilação, não agüentava se ver com aspecto tão feio implorava para que eu me virasse, não ousasse tocá-la, porque tinha colocado em dia as aulas de defesa pessoal e me arrependeria profundamente.

Não adiantaram meus apelos de que estava tão bonita, nem as minhas comparações poéticas, tentando convencê-la da beleza única que tinha. Deu muxoxo. Sentou-se na beira da cama. O roupão de banho deixando ver à ponta dos joelhos, tão brancos, tão lindos. Os cabelos umedecidos escapavam da toalha que formava uma touca, os lábios avermelhados tinham a mesma coloração das bochechas em estado de excitação, preocupadas com o que seria de si mesma se fosse vista como estava, seria uma vergonha.

Meu amor acordou irritado. Cansada de ser morena, optou por ser loura. Botou vestido justo, desfilou sobre os móveis como se estivesse numa passarela, fez beicinho e pintinha com lápis de olho, jaguatirica ronronando com os braços e pernas languidamente espalhados pelo sofá. Ela me arrastava como se quisesse dançar pelas paredes e se o salto arrancava ruído do piso, se prendia por descuido o vestido em algum objeto, já não respondia por si, perdia a cabeça, de mal com o mundo, que acusava de ser contra sua perfeição.

Meu amor não fala alô por telefone, diz como está meu benzinho? Mas se percebe alguma modificação no tom de minha voz, reclama que não pode querer me agradar que logo sou ignorante; ela é uma paisagem que se altera conforme os olhos que a observam. De mal com o mundo, tudo é feio.

Comentários

Agulha3al disse…
muito bacana esse mariel!!! gostei demais

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