Uns Pequenos Casos
Causos
Colegiais
Em
meu ginásio, exerci recolhida paixão por uma jovem chamada Viviane.
Sempre escrevi cartas de amor excelentes e optei pela estratégia do
anonimato para abordá-la, em uma sondagem, para constatar se, com
toda minha impopularidade, teria uma chance. Rascunhei a carta duas,
três vezes; procurei apresentá-la,com pedido de sigilo, a Marcio
Augusto Campos Geoguto,
alguem que se arriscava a escrever poemas, e meu amigo desde o
ginasial, que aprovou todo o conteúdo, sem ressalvas. O portador que
garantiria a chegada da carta, Claudio Carvalho, um galã do porte de
Tiago Lacerda, procurou me despreocupar, não haveria extravio de
correspondência. A carta selada em envelope, meu mensageiro - que se
revelaria um adorável trapalhão - se postou diante da menina,
estendeu a carta e sentenciou: - É uma carta anônima que o Mariel
pediu para lhe entregar. Quase desisti das cartas e minha timidez
atingiu a asfixia.
Quase
perdi o gosto por cartas. Em minha passagem pelo colégio fiz parte
do grêmio e me tornei uma espécie de secretário de partido. A
minha verve revolucionária, incitada por Solange
Castellano,
fez com que me empenhasse na criação do brasão da chapa. No
entanto, o papel de líder pertencia a outro,porque minha timidez
apenas me permitia uma ação - moderada - nos bastidores. Em nossa
companhia havia uma estudante chamada Raquel - bonita - que era uma
motivação para minha presença nas intervenções do grupo. Não há
espírito revolucionário em que não se intrometa o desejo - e me
senti um Maiakovsky matuto com uma Lilia de interior. Raquel
comemorava a vitória de nossa chapa e em uma efusão de
alegria,estreitou-me em um abraço - tornei-me ali um pequeno
Agostinho sequestrado pela lascívia - expressão elegante para
intenções bestiais - sem as suas Confissões para salvá-lo. Era a
sétima série. Ela, Raquel, não gostava de cartas, tinha a mania do
olho no olho - uma chatice prática que me ofendia o wherter. Quando,
ao final do ano, aprovado para a oitava descobri uma missivista de
mão cheia. Em todo meu colegial tive apenas três paixões repletas
da efervescência da juventude, bem a la Von Kleister.
A
minha última missivista - identidade preservada - tornou rilkeana a
correspondência entre nós - repleta de uma doce amargura. Ela era
alta, amorenada, compassada de silêncios. Sentava ao fundo da sala
com mais três meninas com perfil parecido. E toda esfinge merece um
Édipo - mesmo que tudo acabe logo depois em tragédia. Longe de mim
ser um exímio charadista, mas me arriscava a interpretações
oraculares - a adolescência é mesmo o decifra-me ou te devoro,
somente com um adendo: não é a esfinge que é engolida pelo poço,
é você. Caminhávamos, algumas vezes, da escola até parte do
trajeto da casa dela. Não me lembro o que conversávamos, se
falávamos algo. E para ser honesto passei minha adolescência como
um amante platônico. Não consegui namorar nenhuma das três
personagens.
A
perspectiva da infelicidade poderia me ter tornado um velhinho como
Scrooge - do Conto de Natal, de Charles Dickens - mas se ele foi
visitado por três fantasmas, a minha sorte foi de outra ordem. Os
seres sobrenaturais encarnaram em sua maravilhosa constituição
aquela que personifica o meu amor mais duradouro e perene : Aurea
Beart.
Lembro que a conheci na ABL, mas como estava acompanhada por Enrico
Salvatore
-
que não era exatamente um anão - e por sua amiga Verônica
Goes,
não me arrisquei a levar mais adiante minha ousadia. Em uma história
construída por linhas delicadas, me descobri murmurando - como uma
costura - o nome dela para todo o lado. E como testemunhas estão
Maximo
Lustosa e
sua ex- esposa. Reencontrá-la foi um périplo mais complexo do que o
caminho para as Índias. Desceu-me ao espírito como num batismo e
tornou meu manto imaculado como um dia nos casou meu filho - já
velhos. Ele com sua voz de homem asseverou : " Ergueram- se na
pureza, mantiveram-se assim, sem se turvar e se põem a mão no
regato os peixes não se desviam". Aqui é uma outra história
ainda mais bonita e exitosa.
A
minha iniciação amorosa, embora retardada, resolveu deslanchar.
Muitas forças conjugadas agiram para formá-la, inclusive a do
perito Claudio Carvalho - exemplo de exímio entendedor das artes
amatórias. Em uma pesquisa empreendida por ele, Claudio, se apurou
candidatas interessadas em me namorar - uma versão de programa
televisivo para encalhados. E muitas responderam um longo
questionário, e não era revelado a elas quem era o tal concorrente
necessitado de afeto. Pode deixar comigo, Claudio afirmou. E estava
com a minha nova namorada em minha frente: Josélia. Marcio
Augusto Campos Geoguto
talvez
tenha esquecido o torneio de beijos que se destinava a minha quebra
de timidez. Contarei, porque envolve coisas engraçadas.
Não
estorve o amor com coisas graves, isto se ela não for uma
intelectual. Seja frívolo, levemente descompromissado, não um tolo
ou um palhaço, isto se ela aparentar ar estrábico, como se
estivesse aérea. E se nenhum dos dois conselhos servirem, mande à
merda, que não é pecado. Melhor, não; a gente sempre conta com a
indicação; é como procurar emprego, sempre contam nossas
referências, entende?, professava meu conselheiro amoroso. O torneio
de beijos não era exato a denominação que lhe fora atribuída,
porque a fila pretendia o galã e não patinho feio, eu. E numa
tática jamais vista por mim, meu conselheiro amoroso me nomeou seu
interposto. Umas cinco meninas, desconfiadas, não se arriscaram;
mas, algumas outras, almejando o status de beijá-lo, permitiam-me a
prova. Quando terminado, ele, com a consciência da realização de
um bem, ainda que contrariado, sentenciava: "É meio canalha,
mas como é que a gente iria fazer?"
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