Toada, de Mariel Reis

Para Aurea


Lamento, minha amiga, se não é assim
Que o amor a mim se tem ligado,
Não sou um metafísico e no espaço
Apenas os astros brilham profundamente,
Despedindo-se de nosso mundo.

Não parecem falar de outro assunto
Quando de cá os vejo; tampouco
Abrigam os deuses que os  consolam
Frios e distantes, mergulhados no vazio.
Buscam aqui o próprio sentido e não o encontram.

Ao menos, minha amiga, podemos inventá-lo,
Não só o sentido como a nós mesmos por vezes
Desabitados da esperança de compreendê-lo;
O amor não é um mal em si mesmo,
E o muito sobre ele falado o tem revelado ainda menos.

Lamento, minha amiga, se a minha cantiga frágil
Ao atingi-la, provoque a fuga das superstições
E ponha em exílio toda herança platonista
Ao olhar o céu, nessa noite fria, nada tem discurso
A não ser aquele que lhe empresto:
O amor não pode estar fora de nós.

Pode concebê-lo sem olhos, sem braços
Ou sem voz? Já lhe feriu a carne o sonho alguma vez?
Sim, sangramos todos assim, um dia;
Torna mais  forte a metafísica, diminui a solidão.
A estrela que nos espia pode ser um irmão?

Os astros ao se despedirem do mundo, ao final,
Não me parecem de contaminação diferente desta
Em que os deuses, sentados nos planetas, disparam flechas
Para se alojarem em um coração, lastimo tal crença-
Não me interessam seres que não sabem sobre a morte,
A miséria, a doença e ignoram cortejos; e
Todo poema em que a palavra beijo está como rima.



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