Apresentação para André Luiz Pinto da Rocha


Extinção? Não creio...


1. O vaticínio de André Luiz Pinto da Rocha, em Nós, os dinossauros, de que a poesia desaparecerá é contradito. Os dinossauros não tiveram melhor sorte, porque, entre eles, talvez, não existisse um André Luiz Pinto da Rocha para redimi-los da extinção, alçando-os, com os artifícios da linguagem, a um pouco mais do que petróleo, imortalizados em tabuinhas cuja escrita, após centenas de milhares de anos, decifrada talvez se descobrisse um haiku. Os dinossauros, imbuídos, previamente, de uma atmosfera leopardiana, gastariam em melancolia, se soubessem, de antemão, o próprio desaparecimento. A nossa sorte é que enquanto caminhavam para o fim, seguiram, sem outro termo, contentes. E a nós surpreenderam por encetar uma existência que além de angústias pode ter o lirismo de uma lua no lago e dois estegossauros em namoro a contemplá-la. A poesia com André Luiz Pinto da Rocha, embora com sua advertência, não corre o risco do desaparecimento, portanto, nem em cem anos.

2.Em Adorno, em que acusa a mercantilização da poesia, mesmo com acento amargurado, não perde o timing: Drummond, nesses saraus, não passará de uma marca de relógio?, indaga. Em um misto de amargura e ironia, se não aponta a extinção como certa, porque André Luiz Pinto da Rocha é um exemplar de um fazer poético cada vez mais raro, em contraposição a espetaculização que desvia o poema de sua relação primordial de solidão entre autor e poema, leitor e poema, a denúncia de impostura se torna necessária para o reencaminhamento do que está fora de ordem em que a intromissão da sociedade de consumo descaracterizou, forçou a produção massificada e a um acesso sem regras a um objeto tão frágil e vilipendiado. Em Absinto, a retomada da aura drummondiana reabilita o poeta itabirano de sua pecha moderna de apenas uma grife, reconduzindo-o ao panteão de que é oriundo, em sutil pincelada - “trava-se/uma luta/com palavras”. Uma severa barricada levantada pelo poeta para resistir.

3.A escrita é ato político, antes, porém, estético. E na seção Duas Casas, assevera sobre a decapitada cabeça de Zumbi a terrível verdade encerrada em O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco; ou pode ser visto como uma visita toda própria ao poema Navio Negreiro, tornando o líder da insurreição negra uma cabeça sem cavaleiro, em eterno repúdio ao holocausto de seu povo, uma medusa a gelar o sangue dos algozes e a transformá-los em monumentos inúteis, estandartes da própria vergonha. André Luiz Pinto da Rocha contraria o próprio vaticínio, provando, atento, ser um bastião de um tipo de poesia que não quer morrer e que recusa, terminantemente, sua objetificação.

4.Em uma nova seção, Cris, o poeta, sempre ao nível das coisas, toma a chave do trivial para deslindá-lo. E ascende, mesmo em uma Copacabana nublada, um lirismo intenso, aceso em uma arte toda própria de do encontro. O vermelho das maçãs não permite o engano sobre a natureza da relação, repleta de intermitências pelas quais o leitor espiona uma ascese sem nenhuma abdicação dos sentidos. E a experiência amorosa culmina em Almanaque: "Você não está perdida/a cidade que está". Se não se importa, leitor, aqui peço a reunião de toda sua atenção para a lírica amorosa de André Luiz Pinto da Rocha, porque você lerá um dos mais poemas de amor mais bonitos da literatura atual. Com inflexões de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar.

5. Sobrenome inscreve-se uma outra vez, junto com Almanaque, na perenidade. E uma outra vez, unida a leitura, surge,na memória, um poema de Vinicius de Moraes sobre a morte do pai, Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva, poeta e cidadão. Talvez iguais em pungência, apesar da assimetria, com uma realização exemplar, a figura do pai é retomada para um acerto de contas, com algum entendimento daquele personagem, mas não todo, com certa compreensão do ocorrido, agora rejeitado, porque devolve o instrumento de tortura (e culpa), limpando-se de uma herança indesejada. Não antes sem uma solidariedade suspeita - não tem porquê ficar com ele/sinto muito pela sua dor - entre a acusação e a constatação, no intervalo instalado, durante a devolução, algo alojou-se mesmo que inominado. O leitor precisará descobrir.

6.As falsas pistas entrecruzadas dentro da prática do poema de André Luiz Pinto da Rocha lá estão para induzir ao labirinto - e se a gente tiver razão/ e a coisa for simples - parece questionar interessado, no entanto, mais à frente, revela ter o oráculo incrustado nas mãos. Nós, os dinossauros, livro de André Luiz Pinto da Rocha, parece interessado no descrédito da poesia contemporânea e é; mas não é limitado, panfletário ou datado. Os poemas podem ser lidos por todos – do acadêmico ao porteiro –; as camadas de significância são preservadas sem agressão interna; seus níveis de recepção, incólumes, captados pelo leitor, servem desde ao deleite comezinho como ao regalo espalhafatoso. Decidirá quem for servido, apregoo em minha via excêntrica. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Iberê

O caso Alexandre Soares Silva

Na Pequena Área