Escuta, vamos fazer um contrato*...
‘Existem críticos honestos? Sim. Nesse instante abro um suplemento cultural em que um crítico fala mal de um romance. Imediatamente acode-me a pergunta: qual será o preço dessa independência? Mulher, ele deve ter; carro, também; todos os apetrechos tecnológicos, também; uma editora, se for um escritor, também. A minha conclusão é a seguinte: deve ser um homem livre. Revejo a minha conclusão, troco a dúvida pela certeza, é de fato um homem livre. O que é um homem livre nesse meio?’
Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)
Os maiores narradores brasileiros escolhidos garantem-me conforto. Porque o meu lugar, excluído do hall das excepcionalidades, é junto dos escritores menores da língua (o meu e o da grande maioria dos escritores que também não estão lá). O que, em mim, se traduz quase que fielmente: a minha estatura não me permite uma afirmação em contrário. Tenho um metro e sessenta. Escapei por pouco de me tornar um anão ou um duende ou um desses seres saídos da ficção de Tolkien. E ser um escritor menor não é um pecado tão grande quanto ser um péssimo escritor. Há companhias ilustres nesse interregno. Por exemplo, a do poeta Manuel Bandeira com quem sempre se pode trocar figurinhas, jogar conversa fora e bater pernas por aí para não se cansar da paisagem.
Hoje a crítica distingue de quem vai falar mal. Se está em uma grande editora o romance nunca estará mal escrito. É um romance sujo. Um eufemismo que bem empregado não arranha reputações, não impede tanto o crítico quanto o escritor de se tornarem amigos e nem que se degenere a relação social que ambos mantêm. Contudo, se o livro é publicado por uma pequena editora, destas que apostam em nomes desconhecidos, sem preparadores de texto famosos ou todo o aparato que transforma os autores em verdadeiras cebolas, babau. O que em uma grande editora é qualidade, ali, vira, instantaneamente, em defeito ou incompetência. A narrativa em que se tentou um efeito suspensivo torna-se inacabada; o intencionalmente sujo é mal escrito e por aí vai. As barbaridades são alinhadas como se o escritor fosse um quadrúpede e escrevesse com o lápis na boca ou pressionasse as teclas do computador com o nariz. Se há humor, em um livro de editora menor, ele destoa, é excessivo; quando na OUTRA é apetrecho narrativo atraente consoante as necessidades técnicas do romance. Viram?
Existem críticos honestos? Sim. Nesse instante abro um suplemento cultural em que um crítico fala mal de um romance. Imediatamente acode-me a pergunta: qual será o preço dessa independência? Mulher, ele deve ter; carro, também; todos os apetrechos tecnológicos, também; uma editora, se for um escritor, também. A minha conclusão é a seguinte: deve ser um homem livre. Revejo a minha conclusão, troco a dúvida pela certeza, é de fato um homem livre. O que é um homem livre nesse meio? Alguém que não tenha medo de emitir suas opiniões. E depois de execrado dos festivais, das bienais, dos bate-papos não se sinta errado por ter dado o depoimento da sua verdade. E toda a verdade é muito particular, sabemos.
É verdade, eu não me incomodo por estar ao lado dos escritores menores. E, como já havia dito, é confortável e saudável não estar integrado às milícias da literatura atual. Os críticos, comprometidos com obras de fatura duvidosa, por buscarem um lugar ao sol ou por estarem na mesma editora que o autor, deveriam rever seus critérios de avaliação antes de perdê-los definitivamente. O que, no fundo, é toda essa minha jeremiada? Dirão os vitoriosos queixumes de um autor menor, ressentimento ou qualquer outra baixa emoção saída da cabeça de um autor menor, não é mesmo? Pode até ser, mas se você pensou nisso é porque há alguma verdade nas minhas palavras. E como é uma das cláusulas contratuais, você não poderá admitir. Não se pode romper, impunemente, o contrato social.
* Título extraído de uma canção executada por Ângela Maria.
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