Uma Cidade em Chamas
‘Os homens mascarados, como tantos outros homens, apenas com a máscara do rosto, falam de valores como paz, democracia e liberdade. Escrevem com um alfabeto de fogo, pelas paredes, suas siglas, seus pensamentos e sua breve história’
Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)
Os homens mascarados lançavam-se contra as portas dos estabelecimentos. Vociferavam. Caetano Veloso, em algum lugar de uma cobertura de Ipanema, assiste a tudo pela televisão, certo de que se a prefeitura tivesse sede na Praça Nossa Senhora da Paz, os arruaceiros seriam dispersos ou presos sob a acusação de desordem. A garota de Ipanema não se abalaria em seu footing ou João Gilberto perturbado em sua meditação diante das lutas de UFC.
Os homens mascarados, com pedras e paus, como em uma terceira guerra mundial onde a tecnologia, banida da humanidade, estivesse apenas nas mãos de seu opressores – o aparato policial – e a resistência implicasse na sobrevivência de valores como a dignidade, a verdade ou paz. Eles voltam ao neolítico e recorrem ao fogo e se fascinam pelo fogo e ateiam fogo ao fogo, carbonizam tudo que se empresta à combustão. Chico Buarque, no alto Leblon, assiste a tudo pela televisão, negocia com empresários de Tolouse uma turnê e desce para jantar no pólo gastronômico da Rua Dias Ferreira.
Os homens mascarados, com sprays e stêncil, tatuam a cidade com lemas, palavras de ordem, chocam pelo arsenal histórico viciado de erros, comem tudo aquilo como uma sopa de papel de rescaldo ideológico indigesto, indigentes e enjeitados de um tempo utópico que se negou gestá-los, abortos. Edilene Pereira Silva, 33 anos, espreme-se dentro do metrô para chegar até a Central do Brasil para pegar o trem para Campo Grande. Tem três filhos, marido e precisa cozinhar quando chegar em casa.
A cidade abriga os vários gritos – dos que tem fome e sede de justiça. A cidade, com o corpo tatuado, prostituída, em alarde, tem suas artérias entupidas de lixo, destroços e vidros. A cidade está paralisada. A cidade em colapso desce vertiginosa ao coma, à paralisia, à morte. O governador Sérgio Cabral não utiliza as vias rodoviárias do Centro do Rio de Janeiro, ele sobrevoa toda a balbúrdia de helicóptero e acena para os aflitos. Congratula-se - junto ao prefeito Paes -, por ter tornado a cidade um cenário de um filme de Hollywood. Uma cidade em chamas.
Os homens mascarados, como tantos outros homens, apenas com a máscara do rosto, falam de valores como paz, democracia e liberdade. Escrevem com um alfabeto de fogo, pelas paredes, suas siglas, seus pensamentos e sua breve história. O cronista, entre a cortina de fumaça e a multidão, se abriga, porque o símbolo dessa nova revolução atinge em cheio a vidraça: a pedra. E toda a verdade se cala.

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