Cerimônias da Destruição
‘Se, no jogo político, foi abandonada a mudança estrutural – a mais importante – porque implica no fim das sevícias de um capital estrangeiro mais forte do nunca e presente nos governos FHC e Lula; a ambição da representatividade pode ensinar um caminho para a expressão democrática das ambições de um grupo extremista, se ele tiver ambições além da própria baderna ou destruição de bens públicos ou privados. Eu creio que não tenham ambição de natureza política alguma, no que signifique um programa para execução de idéias a nível nacional. E se a destruição de bens privados ou públicos pode representar um ato politizado, resulta ineficaz contra a obscenidade dos lucros dos banqueiros e multinacionais dentro do panorama brasileiro. Não será com meia dúzia de vidraças estilhaçadas ou latas de lixo incendiadas que esses jovens terão o país ou o presidente com que sonham – se incendiários possuem sonhos que não sejam apenas cinzas e fumaça’
Mariel Reis (marielreis@ig.com.br)
A Comissão da Verdade não é apenas a encenação de um julgamento ou a revanche de uma esquerda que, agora no poder, trata de retaliar seus carrascos. É a confissão de um fracasso. É uma confissão vergonhosa onde é difícil pesar a participação de todos os envolvidos, sejam eles torturadores ou torturados. É a confissão de que o país nunca foi de fato uma democracia. E quando ela tentou se estabelecer, foi ameaçada: ou pelo fanatismo anticomunista ou pela ditadura proletária. Em ambos os casos, a História encarregou-se de ilustrar os desmandos no exercício do poder autoritário: representado sob a figura do macacão ou sob a da farda.
Os clandestinos da luta armada, derrotados, encontraram alternativa nos partidos políticos existentes ou por inventar, ansiosos por novas trincheiras para prosseguirem com a luta pela redemocratização do Brasil e de sua economia – dependente do capital estrangeiro e de agentes internacionais para o próprio equilíbrio. No entanto, o movimento de aproximação de partidos ou da fundação deles, para mudar as leis de uma representatividade, anunciava uma mudança de mentalidade no posicionamento de radicais que supunham que apenas pela vontade mudariam a estruturalidade sobre a qual a nação está fundada e que é largamente estudada em livros basilares de Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Caio Prado, Nelson Werneck Sodré, Ruy Marini Mariano, entre outros... Novamente errados, os clandestinos da luta armada, que no passado se inclinavam pela implantação de uma ditadura proletária, partidarizam-se pela ideologia do trabalhismo. Ou será pela ideologia do trabalhador? Numa recente palestra, muito jovens se mostraram ignorantes em relação a sua diferença e como isso afeta as leis de trabalho e toda ambiência relativa ao patronato e ao operariado. O que me entristeceu bastante. Entretanto, isso é outra discussão.
A Comissão da Verdade como encenação e confissão de um fracasso de uma geração engajada na luta armada e o rearranjo desse grupo em partidos políticos que, hoje, articulam-se no poder servem de lição aos baderneiros das últimas manifestações ocorridas nas ruas do Centro do Rio de Janeiro. Se, no jogo político, foi abandonada a mudança estrutural – a mais importante – porque implica no fim das sevícias de um capital estrangeiro mais forte do nunca e presente nos governos FHC e Lula; a ambição da representatividade pode ensinar um caminho para a expressão democrática das ambições de um grupo extremista, se ele tiver ambições além da própria baderna ou destruição de bens públicos ou privados. Eu creio que não tenham ambição de natureza política alguma, no que signifique um programa para execução de idéias a nível nacional. E se a destruição de bens privados ou públicos pode representar um ato politizado, resulta ineficaz contra a obscenidade dos lucros dos banqueiros e multinacionais dentro do panorama brasileiro. Não será com meia dúzia de vidraças estilhaçadas ou latas de lixo incendiadas que esses jovens terão o país ou o presidente com que sonham – se incendiários possuem sonhos que não sejam apenas cinzas e fumaça.
As cerimônias de destruição não apontam para os governantes e nem para a população uma saída para o impasse político brasileiro. Indicam apenas que estamos encalacrados. Se não é a Reforma Política ou Tributária ou Penal o que queremos, então o que é? Uma espécie de carnaval mais violento onde encenaremos nas ruas um desfile misto de ódio, frustração, raiva e impotência? A confissão de nosso fracasso de uma sociedade equilibrada e democrática não é um convite sério a repensá-la? As instituições, inventadas por nós, mediadoras das relações de poder, não podem ser salvas? E se destruídas, imperando o darwinismo mais vil, como ficará a situação do mais fraco? Ontem, na Avenida Rio Branco, fiz essa enquete com alguns dos mascarados. Eles ensandecidos pela desordem, gritando palavras de ordem, não sabiam o que me responder, até que escutei FODA-SE e compreendi o que tudo aquilo significava.
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