Norman Mailer

A fotografia da capa da revista Times não me saía da cabeça. Lá estava ele, vestido com um terno caqui, de gravata colorida, os cabelos desgrenhados pelas mãos dela, enrolada em um roupão de banho amarelo, com a mecha do cabelo loiro cobrindo um dos olhos, a boca insinuando um sussurro e a legenda sugeriria uma intimidade entre os dois. E o fundo branco parecia alçá-los ao céu ou navegavam em uma nuvem ou em um barco no túnel do amor celestial.

A legenda arrolava uma relação perigosa entre os dois. E não seria a primeira vez que a garota estaria metida em encrenca. Ela tinha atração por sujeitos assim. A lista de suas principais paixões atestava a sua queda por tipos iguais àquele. Não tinha culpa. Era sempre fisgada pelos mesmos caras. Chamava a isto de atração fatal. Miller, Mailer e Kennedy. Dois escritores e um presidente. Em comum, o fato de serem judeus. Ela não se importava. Devia ser uma coincidência. Uma peça do destino.

Os outros dois não me importam - Miller e Kennedy. Não estão vivos para se defenderem das acusações. Ele, Mailer, não. Pode defender-se muito bem para um homem de setenta anos. Na capa da revista Times não deveria ter mais que cinqüenta anos. Era muito mais novo. Não tão novo que mantivesse os cabelos alinhados. A legenda Monroe encontra Mailer é, no mínimo, provocativa. A revista é um exemplar raro.

Norman Mailer é um carinha baixo, retaco, as orelhas separadas do crânio e dono de dois profundos olhos azuis. Movimenta-se com rapidez, não perde de vista seu interlocutor e não o deixa sem respostas. Escreveu um punhado de livros e se meteu em diversas enrascadas. Jack Henry Abbott foi uma delas. O contato de Jack Henry Abbott com Mailer aconteceu por conta da habilidade narrativa de Jack, que cumpria pena em Utah. Ele havia cometido um assassinato. Norman Mailer, impressionado com a capacidade literária do detento, resolveu apadrinhá-lo e lutar por sua liberdade condicional.

As cartas que Jack enviava para Norman Mailer transformaram-se em um livro intitulado No Ventre da Besta - Cartas da Prisão com uma introdução do escritor, chamando a atenção sobre a habilidade de Abbott. Nessa época, o processo de escrita do romance a Canção do Carrasco estava em progresso e o auxílio do escritor-detento fora essencial para a compreensão do crime brutal de Gary Gilmore. A importância de Jack Abbott foi tanta que Norman Mailer cogitou em empregá-lo como assistente de pesquisa. Esta atitude deve ter influenciado o júri para a obtenção da liberdade condicional do prisioneiro. A publicação do livro e a posição favorável da crítica em relação a ele contaram para que Jack Abbott voltasse para as ruas.

O livro terminado rendeu a Mailer o Prêmio Pulitzer, embora não o tenha livrado da dor de cabeça de ver que o seu apadrinhado literário envolvido, mais uma vez, em um assassinato. A tragédia é um dos percalços na longa vida de Mailer, relembrado com amargor. A violência não está restrita apenas à sua literatura. Adele Morales, sua segunda esposa, mãe de suas duas filhas (Mailer casou seis vezes e é pai de nove filhos), experimentou o temperamento forte do escritor. Ele a atacou com uma faca. A agressão gerara revolta. As feministas não o pouparam. A ex-mulher o perdoou e registrou tudo em um livro chamado The Last Party.

Norman Mailer está em uma visita sigilosa ao país. O livro Miami e o cerco de Chigago é autografado enquanto ele embarca no táxi. Não é o meu preferido, pontua fechando a caneta. Quer uma carona? À pergunta, um gesto negativo com a cabeça lhe é suficiente. O filho John Búfalo é cordial e jovial, e acompanha o pai. Eles trocam uma ou duas palavras. Indica o endereço do hotel para o motorista e o veículo some entre as centenas de automóveis. John Búfalo percebe o volume do meu paletó

It’s magazine Times

Os olhos brilham demasiado quando se deparam com a capa. Lá está seu pai tendo os cabelos acariciados por Marilyn Monroe, ela está loiríssima, os lábios vermelhos, a boca projetada em sussurro. O que ela diz?

I don’t know. And you?

Tomo de volta a revista de suas mãos e o convido para tomar um café.

Eu também não sei

Vou perguntar ao meu pai

Só não me conte, apenas isso. Não me conte

Livros recomendados:

Norman Mailer

Canção do Carrasco

Miami e o cerco de Chigago

A Luta

Exércitos da Noite

Jack Henry Abbott

No Ventre da Besta, cartas da prisão

Introdução Norman Mailer