Testes

Testes não são bem vistos. Eu não tenho nenhum amor por eles. E não provam nada. Quando menor, levado ao psicólogo, fui submetido a testes de qi. O motivo era minha hiperatividade e minha criatividade. O baixo rendimento escolar alavancou a decisão de meus pais. Por que, eles se perguntavam, ele se interessa tanto pela matéria A e a B fica às moscas? Por que ele não se interessa por nada do que começa? O psicólogo que me aplicou o teste, respondeu: “Porque se tornou fácil”. Meu pai não admitia a explicação. Se justamente havia se tornado fácil, porque eu me entregava ao fracasso? Por que era arrastado para ele como para um bueiro? Por que a vagabundagem – leia-se desenhar, compor, pintar e dançar – doutor? Eles levaram um longo papo. E eu na minha, rabiscando inúmeros papéis. O psicólogo me perguntou se eu me sentia diferente. Respondi às vezes. Como? Me sinto mais burro. Muito mais burro. O resultado do seu teste foi de 135. Ele me falou isso com a intenção de me fazer um elogio. Na escola já havia sido enquadrado como o aluno problema. Até o livro me ofereceram. Perguntei por que eles – os professores – não tornavam tudo mais interessante? Sem resposta saímos do consultório da cidade. Meu pai reclamava que isso de qi era imprestável. Eu não achava lá grandes coisas. Minha mãe regozijou-se. Lamentou não ter dinheiro para investir na minha suposta inteligência. Desviei o assunto. Mãe, isso eu não tenho, não. Minha mãe e meu pai riram. Eu também ri. Passei para três faculdades. Concurso público que é bom, eu sou apenas classificado. Aprovado nunca. Talvez demande um pouco mais de esforço da minha parte. As mulheres, eu nunca entendi. Tenho uma atenuante, Freud também não. O teste eu o rasguei na minha última mudança. Para que minha filha não seja influenciada por mentiras desse porte. Melhor mesmo é ser feliz e se importar com os outros. No meu primeiro malogrado emprego, encontrei um sujeito, Hudson. Segurança. Loja de tintas. Todos os Santos. Apertou minha mão, discorreu sobre literatura como um letrado. Qi 176. Toda uma vida cheia de acidentes. Íngreme. Pra minha mulher, falo até errado. Para deixá-la mais feliz. Afinal, sou bastante esperto para perceber isso. Eu exultei, porque qi bem usado é isso.

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