Odair José, John Lennon e Salinger Ou Extranhas Ligações

Para Rotsen, que me forneceu o título esotérico

Quando tive contato pela primeira vez com o nome de John Lennon não foi através do elepê dos Beatles ou nas páginas dos jornais ou nas estampas de camiseta, porque não saberia distingui-lo da Janis Joplin ou de outro cabeludo da minha rua.

O modo improvável como ouvi sobre o autor de Imagine teve uma via curiosa, porque a língua de bife não fazia escola no bairro da minha infância. A não ser em uma ou outra família que tinha a esperança de tornar o filho piloto de avião ou a filha em aeromoça.

Foi a minha vizinha com sua vitrola, onde os discos de Odair José tocavam sem parar, que me revelaram a canção Eu queria ser John Lennon. Aquilo me intrigou. Como um cantor brega, autor de Pare de Tomar a Pílula, mais popular em minha cabeça do que qualquer outra música do repertório dos Beatles, queria ser esse moço?

Pedi a meu pai que comprasse em uma banca de revista uma pequena biografia sobre o individuo. Descobri sua música e trajetória e percebi que, além de Imagine, tinha composto outras canções maravilhosas.

Mas, eu, garoto, não queria ser John Lennon. E nem estar casado com a Yoko Ono.

A menina que jogava queimado comigo era muito mais bonita e sabida. E não dei mais importância ao assunto. Meu único compromisso na época era a escola, porque minhas notas, devido a minha distração, estavam indo de mal a pior. Só tinha olhos para a atleta do jogo de queimado.

Minha mãe me exorcizou quando com uma vara de marmelo, botou para cantar e subir o encosto que me fazia descuidar dos cadernos, e levava minha cabeça para o mundo da lua. E, se eu não tomasse juízo, me arrancaria a cabeça ela própria.

A segunda vez em que ouvi o nome de John Lennon, também através da vitrola alheia. Minha família era pobre demais para gozar o privilégio da tecnologia. Foi através de um moço que viveu durante um tempo em uma espécie de pensão do meu bairro; desta vez Lennon estava acompanhado, e era mais difícil saber o que ele fazia naquela canção com McCartney.

O lixo ocidental, o caubói e o ouro. Bradava a canção. O rapaz, me contavam, tinha posteres de heróis políticos na parede do quarto que ocupava. Condenava a meninada que jogava vídeo-game na vendinha, trocando o dinheiro da venda de cascos de garrafa por fichas. Acusava o dono da venda de alienado, coisa que este lhe respondia com desaforos cabeludos.

Lennon estava sempre metido em confusão. Desde a campanha pela paz, deitado em sua cama, na cidade de Nova Iorque, àquele rapaz que profetizava a eleição do representante do partido dos trabalhadores, que romperia com o FMI e outras siglas complicadas para o meu gosto.

Quando assassinaram John Lennon todos os jornais noticiaram. O assassino era um jovem. Tinha consigo um livro, quando foi preso. Apanhador no Campo de Centeio. Me perguntei quem diabos tinha escrito isso, o repórter deu o nome estrambótico: Salinger.

Comentários

O título do seu texto bem poderia ser "Extranhas ligações", engraçado como coisas que nos interessam cruzam nossos caminhos muito antes de sabermos disso. Um beijo meu Crônista querido.

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