DGT e Curitiba

Ele estava parado na esquina. O pequeno pacote nas mãos, o boné enterrado na cabeça, óculos escuros para se proteger do sol.



Caminhava todas as manhãs, sempre no mesmo horário, variando o trajeto de sua residência até aos locais em que se demorava pouco mais que dez minutos, excetuando-se no almoço, quando atingia cerca de trinta a quarenta minutos, talvez atento a digestão, que se não é instantânea, contrariava sua natureza avessa ao confinamento ou a presença de multidões. No restaurante, além dele, naquele dia, e de mim, não deveria ter dez pessoas.



Naquele dia, porque não estamos ainda no restaurante, tampouco cheguei até o lugar combinado, estava atrasado, minha reunião durou mais que o previsto. E ele não tem celular. Recusa-se, segundo me disse sua esposa. Não suporta o futuro.


Quando ronda Curitiba persegue o passado, guiado por um roteiro invisível que não lhe permite nem olhar para os lados. Enxerga o lado oblíquo das ruas e das pessoas, me asseverou o meu amigo e cicerone Daniel Osiecki. O táxi se aproximava, meu amigo não me acompanharia. Me pedia cautela ao abordá-lo, porque sempre faz cara de poucos amigos. É um modo de intimidar, sorri, quando estendo a mão.



- Como foi de viagem?


Dalton sabe que me pélo de medo de voar.



A última experiência constrangedora foi em um vôo até Pernambuco. Eu estava acompanhado por minha mulher e filha, planejávamos há meses e convidamos os amigos Vinicius Jatobá e sua namorada e Antônio Dutra com sua esposa, quando eles me viram mudar de cor, minha pele ganhou tonalidades que o arco – íris não suspeita ter em sua paleta de cores. Quando o porta do avião foi fechada, um Deus me acuda. Eu quase morro. A aeromoça, bonita, me deu alguns calmantes, mas os meus amigos fizeram melhor, me puseram sob cordas. Realizei toda a viagem amarrado para não me atirar porta afora.


- Resolvi viajar de ônibus.


- Isto é para a sua filha.


O pacote pequeno, embrulhado com papel de presente vermelho, passa de suas mãos nervosas para as minhas. Procuro abri-lo com cuidado para não rasgar muito. Vejo um par de sapatinhos de crochê verdes – claros.


-Uma distração para as mulheres lá de casa.


Emenda que precisa ir, não me preocupasse em agradecer, que não era nada.


- Mandei o livro. Você leu? Eu disse na esperança de resposta.


- Não, eu não li. Acho mesmo que não vou ler. Mas muito obrigado.


-Por quê?


-Não vou poder ajudá-lo muito. E, além do mais, estou na fase de releituras – Sentenciou antes de me dar as costas, para ir embora dali.


- Você volta a Curitiba? Perguntou-me, já de costas.


- Eu não sei, sinceramente não sei.

Comentários

Daniel Osiecki disse…
Grande Mariel, gostei muito de sua incursão por Curitiba, à procura do Vampiro.E eu até virei personagem. Gostei muito. Prosa direta e sempre afiada. Um grande abraço, piá (termo curitibano).

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