Beto Hippie



Nascimento, não se sabe ao certo. Se sabe, não diz. Prefere o silêncio e os goles na cachaça ordinária no bar do Alberico, na Pavuna. A roupa é uma calça jeans com remendos, a camisa um blusão xadrez ao estilo caubói americano, com uma bota cano curto, de camurça, bege. Um texano, se não estivéssemos acostumado com sua figura, perdida na penumbra do estabelecimento, misturado aos demais fregueses. A conversa franca aponta para alguém que aprontou muito, mas encontrou porto seguro na música. Beto Hippie. Apenas um nome. Não, não tem endereço. Mora na casa dos amigos. Cada mês pousa em algum lugar, lá, além de bom papo, garantem que as noites são regadas à música e lembranças de quando se acreditava possível transformar o mundo através do flower power.



As controvérsias surgem quando as canções são tocadas. Porque em uma rápida busca pela internet, algumas delas aparecem assinadas, não por Beto, mas por outros. Procuro não alertá-lo, porque poderia se emudecer, trancando consigo sua história e jogando fora a chave de suas lembranças. Toca Boa Aparência, está roda pelo mundo virtual com outra assinatura. A consciência me lembra que um compositor tem que sobreviver, escuto a advertência da composição:



“Ei mãe/tenho andado/rodando por todo lado/lendo os classificados/procurando trabalhar/mas acontece/tem um tal psicoteste/é como coisa pra maluco/e a gente tem que enfrentar/a gente estuda/trabalhando o ano inteiro/quase sempre sem dinheiro/pra poder então passar/mas quando acaba/quando chega o resultado/quase sempre camuflado/a gente sabe, não passou”.



A letra acompanhada pela voz embargada, angustiada, repleta de abandono e orfandade. A geração que iria mudar o mundo sabe: quando chega o resultado, a gente sabe que não passou. Beto não desanima. Reclama que o mundo encaretou. Pergunto sem tem irmãos, responde que sim. E termina por aí.


As informações sobre a sua vida são desencontradas, confrontadas revelam contradições, negações e uma lacuna que a memória dos entrevistados preenche com a imaginação, criando uma espécie de Mick Jagger do subúrbio.

Não é bem assim, ele me garante. Porque curte mais Raul Seixas, inclusive vestiu-se do roqueiro baiano naquele carnaval, empunhando sua guitarra feita de assento de privada, com a fantasia confeccionada por ele mesmo. Alguns reclamaram que lhe faltava a barba, ele não titubeou ao dar a resposta: “Não estou imitando o Raul, eu sou o Raul. Cada homem tem o Raul que sua alma quer e merece”. E desapareceu no turbilhão de foliões que se agrupavam na rua Mercúrio como um verdadeiro Orfeu Negro, e de trapos.

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