Sou artista!
Ele estendeu as mãos em um gesto submisso. Entreguei cinqüenta centavos. A voz sumida: - Comprarei café... A minha esposa repreendeu-me por não ter colocado a máscara durante a doação. Ela está correta. Atravessamos a rua em busca de outro estabelecimento comercial. À saída da loja, ouvimos a discussão do mendigo com o segurança responsável pelo trecho da rua.
A tentativa malograda de compra do café é atribuída à influência perniciosa do agente sobre a proprietária do bar com a descrição desairosa do cliente. A repetição exata dos termos não convém ao leitor que deve se deparar com casos assim frequentemente. A repreensão do pedinte não constituiria novidade alguma se ele não pedisse a alteração do próprio status. Em uma rápida defesa, apontou, em um largo, um sanfoneiro e exigiu a mudança de tratamento:
- Sou um artista! - disse enfático.
O desdém e a descrença disputam a fisionomia do segurança. Um e outro transeunte também agitado diante da reivindicação do morador de rua. Principalmente, um certo homem de meia idade, desconfortável com toda a circunstância. Compaixão?
A voz do agente, repleta de exigências, caiu sobre o mendicante com o pedido de explicações sobre a sua arte não ser tão diferente da de outros malandros, ávidos pelo metal alheio. O suplicante não fez-se de rogado: detalhou o ofício. Desde a fisionomia às mãos, do manejo da voz ao cálculo da vítima. No final, com brilhantismo, ponderou sobre a observação do humor do esmoler. Ouviu-se uma outra voz, alterada, fora do quadro principal.
- É um impostor! Não é um indigente!
O homem de meia idade explodiu em palavras de baixo calão muito piores do que as anteriores trocadas pelos dois personagens. A escalada de violência mudou todo arranjo - o agente tornou-se advogado de defesa do suplicante pelo motivo óbvio. Não acompanhei o restante da cena. Desconfio do término da confusão com a advertência policial de que a vida de artista não é fácil, ainda que atraente. Se o pedinte insistisse nela, deveria associar-se a um sindicato. A diminuição do lucro deve ter sido argumento suficiente.
06.05.2021
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