Reflexão


Tudo ou Nada

Uma região, refém da violência, precisa de uma obra de teatro que a reforce?
 

A veiculação da notícia pelo jornal Valor Econômico, em 03/05/2013, no suplemento de cultura Eu & Fim de Semana, da encenação da peça Tudo ou Nada, baseada no livro homônimo de Luiz Eduardo Soares, que trata da prisão de um brasileiro, em terras estrangeiras, por associação ao tráfico internacional, por estar envolvido com o transporte de duas toneladas de cocaína,  terá Guti Fraga (Nós do Morro) no papel do traficante  e na direção do espetáculo Marcus Vinicius Faustini. A obra, levada para  região, suscita reflexão.

O bairro da Pavuna, Zona Norte do Rio de Janeiro, cercado por inúmeros morros como Pedreira, Lagartixa e Chapadão, refém diário da violência, não se encontra na agenda de turismo da cidade, portanto o que acontece em suas adjacências pouco importa ao noticiário da cidade. Segue convivendo com a violência cotidianamente. Se os distúrbios ocasionados pelo Chapadão tivessem reflexos em áreas nobres da cidade como Ipanema logo o Estado iria impor as suas leis: porque onde turista pisa não pode haver sujeira. Entretanto, o Quitanda não fica em Copacabana e a Cancela não está no Jardim de Allah.

Uma região, refém da violência, precisa de uma obra de teatro que a reforce? Guti Fraga, no boxe do jornal, exalta que o interesse no traficante reside na compreensão de sua mente. O que pode torná-lo diferente dos banqueiros inescrupulosos do país que ambicionam apenas o lucro? Tanto os traficantes quanto os banqueiros não estão inscritos na realidade neoliberal? Na conquista de mercado? Interrompida apenas pelo tácito acordo entre o governo que, em suas ocupações, avisa ao traficante para que ele se transfira para as regiões como a Baixada Fluminense, a Zona Oeste entre outras, escondendo a sujeira debaixo do tapete? Por que os prefeitos das regiões afetadas pela re/encenação dos antigos DPO’s não convocam uma coletiva de imprensa para a denúncia de exportação da marginalidade? Fala Vila Rute, São João de Meriti!

A resposta, para a encenação de Tudo ou Nada, no espaço da Arena Jovelina Pérola Negra, está implícita na proposta do texto produzido para o teatro: jovens de áreas carentes possuem maior potencial para se tornarem mega-traficantes do que para banqueiros. E,  dando prosseguimento lógico ao pensamento esboçado por Guti Fraga, logo obras baseadas em vidas de traficantes como Luiz Fernando Beira-Mar e Celsinho da Vila Vintém ganharão não apenas os palcos e as telas de cinema - para que possamos conhecer a mente de facínoras como eles -, essa mentalidade integrará conselhos econômicos, prestando consultoria aos conglomerados empresariais dispostos a conhecer estratégia administrativa agressiva adotada por estes dois homens de negócios de peso.

A arte não é educativa. Os programas pedagógicos são nocivos, se alegará, tendo em vista o realismo soviético e outras experiências similares. Contudo, reforço a minha pergunta: uma região visitada constantemente por matadores, traficantes, assaltantes entre outros escroques, o que ela poderá aprender com a encenação de Tudo ou Nada? Funcionará como um curso de extensão? Pós-graduação? Mestrado? Ou Doutorado? Ou de advertência de nosso lugar na pirâmide social e de como somos vistos? É um alerta? De quê? Por que não um ciclo de William Shakespeare reinventado por Zé Celso, Haddad, Aderbal Freire-Filho a partir das conjunturas locais, do entroncamento dos bairros adjacentes, com planejamento em oficinas realizadas nas comunidades para a escolha do atores? Por que a perversa antropologia?

A minha impressão é de que a classe média não precisará mais da polícia, porque, com a presença de determinadas ONGs, cantores de rap, entre outros agentes constituídos por sua anuência política, quer a domesticação do povo preto, pobre e favelado. E eles sabem mostrar direitinho o nosso lugar: em vez de Hamlet ou Coriolano – o assunto é violência, não é? – Tudo ou Nada ou Meu Nome não é Johnny ou Cidade de Deus... Por que homens - como nós - assumem a posição de leões de chácara da classe média? As câmeras de segurança, carros blindados e outras parafernálias desaparecerão porque eles nos ensinam o nosso lugar e quem nós somos através dessa nova língua geral do teatro, da música, do cinema e da televisão brasileira.

Eles apenas desconhecem se aceitaremos isso e por quanto tempo.

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