O Negociador

Para L.
Não, meu amigo, não sou eu o peso da sua vida.

Não tenho nada com seus fracassos, porque eu não estava lá para tomar as atitudes por você. Não, eu não beijei a mulher que você perdeu, não andei de mãos dadas com ela, tampouco invoquei santos e demônios quando a perdi, porque nem mesmo cheguei a cobiçá-la, porque meus desejos estavam voltados para outra direção, até mais feliz, mais saudável e mais forte.

Não, meu amigo, não mesmo, eu não colaborei com sua autocomiseração, não apoiei seu caráter destrutivo quando quis para si todo o martírio, toda a dor, porque já não estava mais na adolescência, porque descobri que eu não era mais o centro do mundo, nem de mim mesmo. Não, eu desejei apenas que você fosse feliz. Comentei sobre você com meus outros amigos que também eram seus, mas que cumpriam o édito de não pronunciar palavra sobre si, posto que prometido, quando apenas procurava saber de se sua integridade física e moral.

Não, meu amigo, não sou mesmo o peso de sua vida, porque não decidi nada por você, não em relação a ela, a tal, a impronunciável, como se a menção desse nome pudesse queimar os lábios. E às vezes cego, às vezes louco, às vezes equivocado, prefiro que cada homem tenha diante de si o caminho que construiu, seja ele de perdição ou salvação, danação ou conforto. Não, meu amigo, eu não converso consigo para desqualificá-lo pelas costas. Não cumpro ritualística para me dirigir a você com civilidade e educação, não me importo com a toalete que os costumes impõem, não sigo a burrice maquiavélica. Não, porque é fria e falsa. Não é estando com o inimigo, se passando por amigo, que se saberá melhor os passos que ele dará. Os planos que ele traçará. Porque não sigo roteiros. Porque não tenho bússolas ou bulas. Porque a vida me esvaziou do desejo de denegrir seja lá quem for.

Não, eu não estou tão desgraçadamente sozinho que prefira a companhia do pior inimigo que a da própria solidão, do que temer os meus naufrágios e minhas hesitações. Não, meu amigo, se você perdeu, não fui o culpado, porque não estava em seu lugar para realizar suas escolhas. Porque você não soube conciliar o oposto. Torci por sua felicidade, para seu bem-estar, por mais difícil que isto pareça para você acreditar, por incongruente e obtuso. Todos nós temos medo. Não podemos priorizá-lo, para que não nos subjugue. E invada e colonize nosso espírito.

Eu não estive lá. Não sou eu o culpado de nada. Não posso ser um Cristo particular para os seus martírios.

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