De Onde Nascem as Histórias



As minhas publicações alcançaram relativo sucesso, porque ganharam espaço nos jornais, comentadas por colegas pela originalidade e criatividade com que foram desenvolvidas. Não existe criação espontânea. O ponto de partida é às vezes insuspeito, não se apresentando de modo imediato ao escritor. Outras vezes, isso ocorre tão simultaneamente que se não tivermos uma caneta e um pedaço de papel, perderemos para sempre aquela ideia que resultará em uma história.

No meu caso, porque isso é particular, a criação se apresenta para cada um de um jeito, a gênese das minhas histórias se pauta no meu cotidiano e muitas das vezes em minha própria vida, em hábitos condenáveis – isso não quer dizer que sou um pervertido ou a reencarnação de Sade – como o descrito no conto John Fante Trabalha no Esquimó, que dá título ao meu recente livro.

Neste conto, exploro uma mania minha que me custou caro. Sou um aficionado por escritores, quando comecei a trabalhar no Centro do Rio de Janeiro, isso extrapolou, porque via naquele enxame de gente a possibilidade de reconhecer sósias. Nisto não há nada demais. Só que minha resolução era tão ferrenha que me pegava seguindo cada pessoa que tivesse a aparência do escritor de minha obsessão. Parei duas vezes em delegacias. Fui retirado de lá pelo meu patrão, explicando a minha pequena mania ao delegado, que não se convencia muito do que ouvia, preferindo me enquadrar como alguém fora do juízo perfeito.

Outra história interessante ocorreu na rinha de galo em São João de Meriti. Assisti duas ou três vezes esse esporte sanguinário. Em uma dessas vezes um caso curioso me chamou a atenção: um homem conversava com seu galo insistentemente. Parecia que estava instruindo o animal para a briga, mas vendo minha atenção com a cena, um dos homens presentes se aproximou para me esclarecer. Ele sempre estava ali por perto, não regulava bem, deixava de comer para arranjar comida para o galo. Dessa forma nascia a minha história O Filho que está em meu primeiro livro, intitulado Linha de Recuo. Outra influência decisiva foi à leitura do livro Contos de Aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade, onde o conto Meu Companheiro* que tratava de assunto semelhante me tocou bastante.


Jonas, A Baleia, pertencente ao conjunto de narrativas do livro John Fante Trabalha no Esquimó, não foi bem recebido pelos críticos por estar presente entre as narrativas com alto teor urbano, caracterizam como uma invasão malévola aquela do fantástico no livro. Isso não me decepcionou, porque a realidade tem muitas camadas, não se pode restringi-la a essa mera percepção de nossos sentidos. Alguém pode nos garantir que nossos sentidos são suficientes para dar conta do mundo? E se existirem percepções que ainda nosso aparelho - isto é, o corpo - não desenvolveu mecanismos para absorvê-las? A leitura da obra Metamorfose, de Franz Kafka, me provocou uma perturbação que reverbera até hoje. Mesmo discordando ficcionalmente de Kafka, por não ter o autor exercido sua estética da crueldade, percebida em contos como Colônia Penal, onde o desenlace sempre me eletrizou, não entendi que esse mesmo clima não estivesse presente no desfecho dessa novela, Metamorfose. Porque simplesmente fazê-lo perecer pela exploração daquela família, ser espezinhado, aturando o sadismo do pai, o descaso da irmã e o asco da mãe? Pensei que poderia reescrever aquela história, sem a carcaça sendo varrida para fora de casa se juntando ao monturo de lixo. Se Gregor Samsa estava sendo devorado socialmente pela voragem das familiares que desejavam ascensão social sem esforço próprio, porque não transformá-lo em um banquete para indigentes? Como está intitulado em um LP antigo de Jards Macalé, por que não instituir o "banquete dos mendigos"? Na minha história ele é devorado.


Nesse mesmo livro, abrindo o leque de contos que o compõe, está uma narrativa intitulada Todos Os Homens São Iguais, onde me aproprio da imagem do ator Charlton Heston para comunicar sobre a questão da humanização/desumanização do homem. É curioso que o próprio Heston tenha abordado isso em um de seus filmes: Planeta dos Macacos. Vendo uma reprise dessa película e percebendo que o ator se alterou em sua essência desde os anos 70, onde defendia idéias liberais, notei que "existiam" dois Charlton Heston. O tema do duplo se impôs o pano de fundo não tardou a aparecer: a situação dos negros norte - americanos. A técnica narrativa de suspensão funcionando maravilhas para fortalecer o desfecho. Tudo isso contribuiu para a construção de uma narrativa forte, envolvente e perturbadora. Termino por aqui para conversar um pouco mais com todos vocês.


Texto para evento do dia 30/05/2009
Sesc – SJM 14:00 h – Biblioteca
Relançamento de John Fante Trabalha no Esquimó
Exposição e bate papo


* Meu companheiro – O homem na estrada pagara mais que o necessário por um cachorrinho, não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o pra casa e já lhe dera o nome de pirulito para evitar confusões. A mulher não era muito chegada a animais de estimação, gostava do bichinho, mas não se aproximava. Ao filho mais novo foi dado o título de dono, porém pirulito gostava mesmo era do homem e ele do cachorrinho. Os dois eram companheiros e se punham a conversar, os meninos até implicavam, pois o cachorro gostava de gente “velha”. Então certo dia o cachorro desapareceu, o homem até pensou ter sido ação da esposa, mas logo desconsiderou, só sabia que o amigo tinha ido embora como muitas pessoas fazem.

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