A Arte de Afinar o Silêncio

Reescrevo meus contos para formarem meu novo livro. Como sempre envio para um escritor que considero um bamba para opinar, desta vez tive a sorte de ter ao meu lado Eustáquio Gomes que me premiou com seus comentários. Segue na íntegra o e-mail do escritor:



Caro Mariel


Você me desculpe só agora ter lido o seu livro. Em compensação, espero que minhas palavras soem para você como música: sim, você é um escritor. E Arte de Afinar o Silêncio é um belo conjunto de narrativas.


Li-o em duas horas, mas a riqueza de seu texto pede releitura. Seu primeiro traço: a originalidade. O segundo é o domínio da linguagem. E o terceiro, a inventividade. Haverá outros que você sabe quais são.


Gostei muito de “O labirinto”. Às vezes me dava a impressão de uma novela,às vezes de um conjunto de microcontos. O final surpreendente diz que é um conto-novela, embora possa funcionar também do outro modo. Mas é nessaindefinição que reside sua singularidade.


O trabalho; estou atrasado. Percorro a distância da casa ao metrô na metade do tempo habitual. Enfio-me em um dos vagões. Corto os subúrbios em direção ao Centro. O sono em constantes investidas, querendo abalroar-me,levar-me a pique. Sei-me um navio velho. Todos podem ver as marcas detempestades no casco, sujo e escurecido.


Eis um belo parágrafo. É um dos pontos altos do livro, mas o dou apenascomo exemplo. Há outros. Por exemplo, todo o capítulo 27, de ótima fatura.Dos contos maiores, gostei particularmente de “Um conto sobre a inveja”(título que entretanto me parece explícito demais), o conto sobre Rebelomorto (engenhoso), A gorda (de ritmo e técnica excelentes), e Iberê (que mostra que você sabe se colocar na pele de outro, sobretudo que seja Iberê Camargo) O conto do incesto não é só chocante: é também de bom.


Alguns pequenos cochilos fáceis de consertar:


1) No capítulo 10 de ‘labirinto’ na frase “indicam o caminho difícil dasalmas das coisas”, creio que fica melhor “a alma das coisas”.


2) Em ‘Embrulho’, o correto seria dizer: “A mãe agigantada enxotando-o decasa” (em vez de “lhe”)

3) Em ‘Um conto sobre a inveja’, talvez seja melhor escrever simplesmente“Não atinava” em vez de “Não conhecia atinar onde mesmo tinha esbarradocom o sujeito”, Ainda neste conto, “textos veiculados na imprensa” meparece uma expressão técnica demais; melhor algo mais simples, como“publicados”.


Mariel, quanto à questão da editora. Eu mesmo estou procurando editor para a novela que acabei de escrever. Ainda não acertei o passo no campo, digamos, operacional da literatura. Estamos talvez no mesmo pé. Espero que compreenda.

E vamos continuar trocando idéias. Abraço amigo do
Eustáquio*
*Biografia
Eustáquio Gomes nasceu em Campo Alegre, povoado localizado no oeste de Minas Gerais, em 1952. Filho de pais lavradores, realizou seus estudos lutando contra dificuldades, primeiro na cidade de Luz (MG) e depois em Assis (SP), antes de bacharelar-se em jornalismo pela Universidade Católica de Campinas. Mais tarde tornou-se Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e defendeu tese sobre os modernistas de província. Sua infância é tema recorrente das crônicas que tem publicado em jornais e revistas, como "O mestre escola", "Os paramentos" e "Paisagem com neblina". Os seis anos vividos em colégios internos lhe inspiraram um romance, "Jonas Blau". O curso de jornalismo lhe deu uma profissão, a de repórter e depois editor, que exerce desde os 19 anos. Trabalhou em jornais do interior do Estado de São Paulo e colabora ocasionalmente em jornais da capital, tais como O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Entre 1973 e 1981 atuou também na área de propaganda e publicidade, primeiro na empresa Bosch do Brasil, em Campinas, e em seguida na White Martins, no Rio de Janeiro. Mas é na condição de jornalista que está, desde 1982, ligado à Unicamp. Como colaborador regular do jornal Correio Popular, de Campinas, já publicou mais de 500 crônicas, além de reportagens especiais, entrevistas culturais e outros textos. Dos dez livros publicados de Eustáquio Gomes, a maioria é desconhecida do grande público. "A Febre Amorosa", o mais difundido, está na segunda edição e é considerado "um pequeno clássico do underground" (Luiz Fernando Emediato). Foi adaptado para o teatro em 1996. Além de "A Febre Amorosa" (romance, 1994), seus outros livros são: "Cavalo Inundado" (poemas, 1975), "Mulher que Virou Canoa" (contos, 1978), "Os Jogos de Junho" (novela, 1982), "Hemingway: Sete Encontros com o Leão" (ensaio biográfico, 1984), "Jonas Blau" (romance, 1986), "Ensaios Mínimos" (ensaios, 1988), "Os Rapazes d'A Onda e Outros Rapazes" (ensaio, 1992), "Um Andaluz nos Trópicos" (entrevista com o pintor Bernardo Caro, 1995) — editado também em espanhol — "Un andaluz en los tropicos", em 2001, pela Unibero, e "O Mapa da Austrália" (romance, 1998). Saiba mais sobre o autor clicando aqui.

Comentários

Anônimo disse…
Meu caro Chico Reis,
parceiro e bamba...
Fala seu dileto amigo e modesto músico Mario Vivas...

Gentileza urgente entrar em contato comigo, por motivo de arte maior...

Meu email é o mrvivas@terra.com.br

No aguardo.

Vivas.

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