Orelha para Claudinei Vieira

Um tango fantasma

Todas as Minhas Ventanias, de Claudinei Vieira, representou um enigma durante a minha leitura. Como apresentá-lo, não ao público acostumado a engôdos, mas a mim mesmo, em sua natureza poética, se o processado em suas páginas não se assemelhava, em sua forma, à experiência poética ordinária obtida em minha educação através da leitura de inúmeros poetas brasileiros? A questão se aprofundava quando, em minha lembrança, surgia a produção contística do autor dos poemas, fixada em um volume intitulado Desconcertos, publicado pela editora Demônio Negro.

O impasse, revelado pela ambiguidade, da classificação de poesia, reunida pelo autor, acentuava meu descrédito em relação à minha capacidade correlacional para enquadrá-la sob aspecto correto e honesto, em meu ponto de vista, da poesia. A leitura de inúmeros artefatos verbais, se não me remetiam ao cânone, reforçavam a aparência melopaica, emprestando ao poeta a atitude de um trovador urbano, garantindo-lhe um ar de Orfeu engolido pelas entranhas infernais de uma megalópole, enredado em ruas que se articulam e confabulam. A personagem deparada, a cidade, minha predileta entre as dispostas, abria, para o meu entendimento, um caminho sensível e verdadeiro quanto à natureza poética de Claudinei Vieira.

No entanto, a minha percepção, desfalcada, enviava-me sinais de incompletude de uma compreensão do que lia. Um eco drummondiano, um respiro: “O amor se perde nas voltas de umas vielinhas”; minha mulher, atenta à minha fisionomia, advertia-me o engano–, agradável. Nele, o livro, o amor é sinônimo de cidade, estabelece uma igualdade, o amor bate na aorta do poeta pela megera de concreto que concede, às vezes, embora encarquilhada, a oportunidade do encontro em praças. Lá estava outro tema contido nos poemas, em epifanias que acontecem somente às seis da manhã de uma madrugada pós-coito de um chuvarada enregelante em uma cama pós aquecida de memórias em um quarto meio escuro meio pré adolescente cansado de tantas recordações ainda por vir. Alinhei,intencionalmente, o disposto em versos e descobri a parecença – positiva – com o contista: poemas em prosa, exclamei solitário.

Reparei em minha esposa, em pose indecente, em minha poltrona de leitura, com o livro Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire. A minha intuição apontara-me, lenta, a chave interpretativa – o que me assegurou a ausência da capacidade analítica de Dupin, em elevado grau.

Ajoelhei-me ao altar amoroso antes do prosseguimento da leitura.

Retornei do intervalo. À recordação de ter nomeado, aqui, o poeta de Flores do Mal, sem intenção herética, ainda que o poeta Claudinei Vieira desdobre o modus operandi do flâneur, a satisfação instalou-se com a constatação da decifração – antes incômoda – da operação realizada em Todas As Minhas Ventanias. À minha objeção por uma via interpretativa de mero disparate elogiativo, comumente praticado por orelhistas amadores e profissionais, pode se somar outras, de natureza igual ou diferente, quanto ao caráter qualitativo dos poemas, que, sim, se harmonizam em uma frequência própria; sem, diretamente, estarem ligados à uma tradição identificável do tronco da poesia brasileira. É comum, em uma paisagem, a diversificação de acidentes geográficos. Claudinei Vieira, latinamente, é um cantor de sangue dourado bravio, de cintilâncias, soprando onde e como quer. 

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