Trecho de Relatório do estágio Supervisionado em História
- Introdução
Oswaldo,
um negro corpulento, de estatura mediana, me recebe na portaria da
escola com desconfiança. Examina-me através de uma portinhola,
parecida a uma escotilha, faz a invariável pergunta:
- Quer
falar com quem?
- Com
a diretora.
A
minha resposta parece tranquilizá-lo; nenhum delinquente estaria
vestido como um janota e se interessaria pela figura da diretora,
raciocinou. Entretanto, ainda não convencido, esticou a conversa. Os
pequenos olhos fixos em mim não se desviavam mesmo quando
solicitados por alguém que estava ao seu lado, rogando que não era
necessário prosseguir com o interrogatório, porque a palavra
estágio me garantia certa imunidade diplomática. Uma discussão se
estabeleceu entre eles. Parecia um principio de desentendimento entre
ambos, as vozes se altercavam alteradas, seguidas por argumentações
a respeito da violência na cidade, até que tudo se acalmou com a
aproximação do policial militar de plantão dentro da escola que me
acompanharia até à sala da direção.
A
porta foi destrancada. Entrei. À minha direita está um balcão que
funciona como uma pequena recepção para os alunos. Atrás dele está
a voz que há pouco discutia com Oswaldo sobre a permissão de minha
entrada. Ele é Ezequiel, outro homem negro. Há uma televisão
ligada na emissora Record. Assistiam ao programa Cidade Alerta,
exibindo uma reportagem sobre a incursão da polícia em uma das
favelas da Zona Oeste do Rio de Janeiro, no processo de pacificação
da cidade para a recepção de eventos como a Jornada Mundial da
Juventude, Copa do Mundo e Olimpíadas. O policial Braga me mostra o
caminho. Subimos dois lances de escada. O andar tem a forma de “U”
e em uma das extremidades da vogal, indica-me a sala da diretora. Ali
termina a sua escolta. Toda ação sugere que atos de delinquência
são frequentes ou permanecem, como advertências, na memória dos
funcionários.
A
diretora, Teresa, me recebe com muita cordialidade. Ela se lembra de
minha ligação telefônica, de nosso agendamento para a entrega da
documentação de estágio, as dificuldades enfrentadas junto da
metropolitana em relação à Carta de Apresentação. Tudo isso
referente à etapa anterior para início do Estágio Supervisionado
I, para a minha graduação em História na Universidade Federal do
Rio de Janeiro – modalidade EAD. O estágio se daria entre as datas
de 26 de março a 19 de abril do ano corrente, no terceiro turno que
tinha suas atividades das seis às dez horas. O colégio Estadual
Paulo de Frontin, embora com a estrutura castigada, era uma
instituição de ensino tradicional da cidade, com muita importância
durante a década de vinte, onde visava à formação da população
pobre, tendo sido, quando de sua fundação, em 1929, destinado à
educação para moças. Mais tarde suas turmas seriam mistas.
A
minha finalidade ali era o acompanhamento das atividades
administrativas: desde a observação das condições materiais de
trabalho às reuniões que decidiriam o modo de ação pedagógico da
equipe escolar.
Logo
pude notar que todas as salas de aula possuíam ventiladores,
televisores e ar condicionados. O quadro negro fora substituído pelo
quadro branco, sendo o giz trocado pela caneta hidrográfica. Em
algumas das salas, ao todo dezessete para acomodação de
quatrocentos e sessenta e três alunos, há a convivência de ambos
os instrumentos.
O
edifício é sólido. Apesar das infiltrações, depredações e
alguma exposição tanto de material elétrico quanto da alvenaria.
Possui a curiosa característica arquitetônica: rampas de acesso. A
presença de rampas instala-o imediatamente na politica de acesso a
deficientes físicos, principalmente cadeirantes. O que o situa a
escola na vanguarda das políticas inclusivas devido à sua
peculiaridade estrutural.
A
diretora conta com apoio da vice direção; coordenação pedagógica;
professores e inspetores.
Apresentado
ao trio de inspetores – Júlio, Oswaldo e Ezequiel – é desfeito
todo o mal entendido da recepção. Embora receosos, esclarecem que o
público da escola já foi “barra pesada” e se a intervenção
não fosse enérgica a coisa degringolava. Muitos dos
delinquentes, embora mortos, porque associados ao tráfico de drogas
dos morros da região – próximo à escola está o Morro do São
Carlos – não conseguiram convencê-los totalmente a deixar de lado
a precaução, nem mesmo quando destacaram um policial militar para
acompanhar a rotina da escola. Daí toda a desconfiança inicial. E
somado a isto está o evento ocorrido na Escola Tasso da Silveira, em
Realengo. Instala-se, entre nós, uma discussão sobre a política de segurança
pública desde o governo Moreira Franco que prometia acabar com a
violência em cem dias e a de hoje, que segundo eles, esconde a
sujeira embaixo do tapete, isto é, pedem aos bandidos que se retirem
de suas comunidades para a instalação das unidades de pacificação.
Oswaldo, que revela experiência em comunidades carentes, assevera:
“Estão reeditando as antigas DPO’s”; os outros companheiros
concordam. O policial Braga fica calado, observando o rumo da
discussão. Eu peço licença para voltar ao meu lugar na Diretoria,
lamentando-me em não ver o desfecho sobre o assunto.
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